Julho da Pretas: Entrevista com a vereadora Luana Alves

Mês de protagonismo da luta e história das mulheres negras

25 jul 2021, 08:48 Tempo de leitura: 4 minutos, 54 segundos
Julho da Pretas: Entrevista com a vereadora Luana Alves

Anualmente as mulheres negras e feministas unem suas forças para o Julho das Pretas. Trata-se de uma agenda conjunta com o objetivo de fortalecer a ação política coletiva das mulheres negras nos mais diversos segmentos da sociedade. Neste ano, em sua 9ª edição, o Julho das Pretas tem como tema central “Para o Brasil Genocida, Mulheres Negras apontam a solução”. O objetivo é denunciar o genocídio da população negra no Brasil, intensificado com a pandemia de Covid-19.

Hoje, dia 25, comemoramos o Dia da Mulher Negra Latino-Americana — no Brasil, dedicado à memória de Tereza de Benguela, líder do Quilombo do Quariterê, em área que hoje pertence ao Estado do Mato Grosso.

Como representante da luta e atuação da mulher negra brasileira, o mandato da deputada Sâmia Bomfim entrevistou a vereadora por São Paulo, Luana Alves (PSOL), para falar um pouco sobre este mês tão importante.

Leia a seguir:

Qual a importância de ter um mês de dedicado ao fortalecimento da ação política coletiva das mulheres negras?

Ao longo da história da América Latina e Caribe, as mulheres sempre lutaram para sustentar a sociedade, economicamente ou por meio de cuidados e também fizeram parte de lutas políticas, comunitárias, do campo. Mas nunca tiveram em espaços de poder formal, em espaços como Legislativo e Executivo, por exemplo. Então, ter um mês dedicado à nossa ação política é fundamental. Não só por nós que lutamos hoje, mas por todas as mulheres que lutaram antes de nós, na América Latina e no Caribe.

O Julho das Pretas também acontece em memória de Tereza de Benguela, líder do Quilombo do Quariterê. Qual o papel das mulheres na luta por um Brasil livre de preconceitos raciais?

Tereza de Benguela é um símbolo para nós, mulheres pretas. Ela foi escravizada e organizou a luta quilombola na região Centro-Oeste do Brasil. É uma mulher que não só lutou pela própria liberdade, mas organizou centenas de escravizadas e escravizados para resistir. Temos diversas referências históricas sobre o papel de Tereza Benguela nessas lutas. Ela é um símbolo para muitas de nós!

Qual a agenda de debates e propostas da Câmara de Vereadores de São Paulo para o Julho das Pretas e, principalmente, para o Dia Internacional das Mulheres Negras e Caribenhas (25/07)?

Temos uma série de proposições que se encaixam nesta luta. Por exemplo, conseguimos aprovar o Dia de Tereza de Benguela na Câmara de Vereadores de São Paulo, um projeto de minha autoria. Esta lei faz parte da “Agenda Marielle”, que tem uma série de propostas como datas comemorativas, projeto para habitação, saúde, educação. Estamos com diversas pautas dessa agenda política a serem aprovadas ainda. Além do Dia Tereza de Benguela, conseguimos aprovar um projeto de assistência técnica gratuita na área da habitação para famílias que estão em mutirão. Tudo isso por meio dessa “Agenda Marielle Franco”.

Em abril de 2021 foi lançado o manifesto São Paulo Solo Preto e Indígena que é mais ação para fortalecer a luta pela memória histórica do povo preto de SP. Como estão as iniciativas do coletivo?

Este grupo/movimento foi criado para resgatar a memória e a história do povo preto nos monumentos da cidade de SP. É um projeto de lei que fala em memória e justiça. Hoje, estamos com o PL bem avançado na Câmara. Ele foi aprovado na CCJ e também no Congresso de Comissões. Estamos conversando com a população e temos diversas iniciativas locais que se confluem com a luta por memória na cidade de São Paulo inteira.

Você apresentou um projeto de lei que busca ressignificar e/ou realocar toda homenagem feita a escravocratas e eugenistas na cidade de São Paulo. Você pode explicar um pouco mais sobre o PL 47/2021?

O Projeto de Lei sugere a supressão de monumentos com homenagens escravocratas e indígenas e sobre re-sinalização destes monumentos. Mas também trata da inclusão de homenagens para heroínas e heróis negros e indígenas nos monumentos e símbolos de glória da em SP. Pedimos, neste PL, que a prefeitura priorize iniciativas culturais de resgate a memória negra e indígena na cidade. Queremos que o Poder Público estimule que os movimentos negros e indígena a auxiliarem o estado neste sentido.

Recentemente, um vereador de SP, seu colega de trabalho, usou a expressão racista ‘negro de alma branca’ durante a sessão legislativa. Como fazer com que a sociedade seja antirracista e deixe usar expressões preconceituosas e criminosas como esta?

Essa expressão é muito antiga na sociedade. Representa uma ideia que ainda está bem viva. A ideia de que existem negros que são negros bons, aqueles que têm alma de gente branca. Esta expressão sempre existiu no parlamento, tenho certeza. Não acho que esteja tendo mais racismo na Câmara de São Paulo. Mas acho que a presença de nós, pessoas do movimento negros, mulheres negras, é que gera a disrupção e o embate que estamos vivendo atualmente. Não vamos tolerar expressões racistas na Câmara de Vereadores e nem em outro espaço de disputa política.

Para que a sociedade seja antirracista precisamos ter o Poder Público como aliado e políticas públicas de educação antirracista. É necessário falar sobre antirracismo nas escolas, nos hospitais, na segurança pública, para os servidores e cidadãos do país. É um trabalho de longo prazo, mas vamos fazê-lo todos os dias.