Reforma da previdência: como ficou? O que fazer agora?

Confira aqui todos os detalhes sobre o novo texto da previdência e o que você pode fazer agora para se mobilizar contra este ataque.

16 jul 2019, 10:21 Tempo de leitura: 9 minutos, 7 segundos
Reforma da previdência: como ficou? O que fazer agora?

Confira aqui todos os detalhes sobre o novo texto da previdência e o que você pode fazer agora para se mobilizar contra este ataque.

Semana passada, a Reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno na Câmara. Depois de muita pressão dos trabalhadores em geral (como na greve geral do dia 14 de junho) e de categorias específicas (como na exemplar marcha de policiais em Brasília), foi possível barrar alguns retrocessos que estavam presentes na proposta original do governo. Entretanto, a indignação popular não sensibilizou suficientemente os deputados que preferiram se vender pelos R$ 40 milhões em emendas oferecidos por Bolsonaro para quem votasse a favor da reforma. 

Veja o que mudou na proposta original e o que segue valendo.

O que mudou na proposta apresentada pelo governo:

Um dos pontos que mais chamou atenção no texto elaborado pelo governo foi a proposta de reduzir o Benefício de Prestação Continuada (BPC) pago a idosos em situação de miséria de um salário mínimo para R$400. Essa proposta foi duramente atacada até pelos defensores da reforma da Previdência já que evidenciava as intenções do governo de impor sacrifícios até às pessoas mais vulneráveis, contrariando o discurso de que o objetivo da reforma seria “combater privilégios”. Nesse mesmo sentido, a redação original da reforma previa regras muito mais duras para concessão de aposentadorias aos trabalhadores rurais, de modo a excluir muitos deles da cobertura previdenciária. Felizmente, as críticas em relação a esses dois pontos dominaram o debate público e eles foram excluídos logo na Comissão Especial.

Outro aspecto bastante grave da reforma apresentada por Bolsonaro era o aumento do tempo mínimo de contribuição necessário para poder se aposentar – dos atuais 15 anos, o trabalhador que ingressasse no mercado de trabalho após a aprovação da reforma teria que contribuir por 20 anos. Esse aumento de 5 anos no tempo de contribuição não significa simplesmente esperar mais 5 anos para poder se aposentar, já que por “tempo de contribuição” considera-se apenas o período em que o trabalhador está em um emprego formal, descontados os períodos de desemprego e informalidade, por exemplo. Ou seja, esse aumento no tempo de contribuição significaria retardar muito o acesso a aposentadoria ou mesmo tornar impossível para os trabalhadores mais vulneráveis se aposentarem. Mas felizmente essa alteração também foi revista. Primeiro, as mulheres voltaram a contar com tempo mínimo de contribuição de 15 anos. Depois, a regra se estendeu aos homens.

A capitalização também foi retirada da reforma. Esse era possivelmente o ponto mais grave da proposta do governo já que ameaçava destruir o coração da Previdência social brasileira que é a solidariedade intergeracional. A Previdência no Brasil funciona pelo regime de repartição, em que trabalhadores da ativa, empresas e Estado contribuem para bancar os benefícios dos aposentados. A proposta elaborada pelo governo previa substituir esse sistema pelo de capitalização, em que cada trabalhador faz uma poupança privada em um fundo de pensão (uma espécie de banco) e aposenta-se com o que conseguiu juntar ao longo da vida laboral. Em todos os países em que foi aplicada, a capitalização deixou uma massa de idosos sem cobertura previdenciária ou com benefícios muito baixos, aumentando assombrosamente o índice de pobreza na velhice. Além disso, a transição entre os dois modelos gerou custos astronômicos para os cofres públicos dos países em que ela foi aplicada. Ao mesmo tempo, os fundos de pensão auferiram lucros bilionários com a capitalização. Por esta razão, implementar a capitalização era o objetivo principal do Ministro da Economia Paulo Guedes. Não por acaso o ministro sequer faz questão de disfarçar sua frustração com a reforma. 

Professores e policiais federais que já estão no mercado de trabalho também conquistaram condições um pouco mais favoráveis para se aposentar. A idade mínima para aposentadoria de policiais federais passa a ser de 52 anos no caso das mulheres e 53 anos no caso dos homens. Para os professores, a exigência é de 52 anos se mulher e 55 se homem. Porém, tanto para policiais quanto para professores é exigido um pedágio de 100% do tempo que falta para se aposentar nas regras atuais. Em outras palavras, dobra-se o tempo de contribuição que falta para o indivíduo possa se aposentar.

Por fim, servidores públicos de estados e municípios também podem respirar um pouco mais aliviados. Pelo menos até agora, estados e municípios estão excluídos da reforma, isto é, nada muda para esses trabalhadores. Mas é preciso estar atento: ainda há muita pressão por parte de prefeitos e governadores para que a reforma se estenda a eles. Além disso, mesmo que a reforma da Previdência nacional não contemple essas unidades federativas, é de se esperar que assembleias legislativas e câmaras municipais passem a discutir suas próprias reformas previdenciárias logo em seguida.

Como ficou a reforma da Previdência, afinal:

Ainda que alguns de seus aspectos mais graves tenham sido eliminados, a reforma da Previdência segue sendo um desastre para os trabalhadores brasileiros. 

Em síntese, pode-se dizer que ela reduz o valor das aposentadorias e pensões. Primeiramente porque altera a regra de cálculo do valor do benefício. Atualmente, o valor aposentadoria é equivalente à média dos 80% dos salários mais altos recebidos durante o período de contribuição. Por analogia, é como se um professor calcula-se a média de um aluno que fez dez avaliações apenas considerando as oito maiores notas. Este mecanismo existe pois é normal que um trabalhador progrida em sua carreira e termine ganhando um salário maior do que o da média de sua vida laboral. Dessa forma, evita-se que seja criada uma grande discrepância entre o último salário da ativa e a aposentadoria do trabalhador. Mas essa regra de cálculo foi alterada. Agora o benefício será equivalente à média de todos os salários recebidos ao longo do período de contribuição, sem a exclusão do um quinto de menor valor. Necessariamente isso implicará na redução do valor das aposentadorias.

Além disso, a reforma da Previdência impõe que, ao atingir o tempo mínimo de contribuição para se aposentar, o trabalhador tem direito a apenas 60% do valor de seu benefício. Esse percentual aumentaria progressivamente ano a ano atingindo 100% apenas após 35 anos de contribuição no caso das mulheres e 40 anos no caso dos homens. 

As mesmas regras se aplicam para quem se aposenta por invalidez (chamada a partir de agora de “incapacidade permanente”). Ou seja, um trabalhador que tenha contribuído, por exemplo, por 15 anos e sofra um acidente terá direito a apenas 60% do valor de sua aposentadoria. A exceção são os trabalhadores cuja incapacidade tenha sido criada em decorrência do trabalho. Neste caso, terão direito a 100% do benefício.

As pensões por morte também terão valor reduzido. A viúva ou viúvo terá direito apenas a 60% do benefício mais 10% por dependente. Caso esta seja a única fonte de renda do beneficiário, ela não poderá ser inferior a um salário mínimo. 

 A reforma também reduziu os valores de quem recebe acúmulo de benefícios – por exemplo, aposentadoria e pensão por morte. A pessoa passará a receber integralmente apenas o benefício de maior valor. O outro benefício terá seu valor descontado. O desconto será maior quanto maior for o benefício, variando entre 20% (para benefícios de até um salário mínimo) e 90% (para benefícios acima de 4 salários mínimos).

Além disso, a reforma cortou o abono do PIS de milhões de trabalhadores. Este benefício é uma espécie de décimo quarto salário pago a trabalhadores que ganham até dois salários mínimos. A reforma restringiu o pagamento desse benefício a quem ganha até R$ 1.364,44. A faixa de renda afetada é justamente aquela em que estão mais trabalhadores brasileiros. 

Por fim, a reforma da Previdência impôs uma idade mínima para se aposentar. Não importa por quanto tempo contribuam, todos os trabalhadores que ingressarem agora no mercado de trabalho só poderão se aposentar após os 62 anos de idade no caso das mulheres e 65 anos no caso dos homens. Para diversos trabalhadores, como aqueles que realizam esforço físico (pedreiros, empregadas domésticas, garis, etc.), a exigência de idade mínima para se aposentar representa grave ameaça. Além disso, ela penaliza aqueles que começam a trabalhar desde cedo pois terão que contribuir por muito mais tempo.

Portanto, apesar dos importantes recuos em relação à proposta inicial, a reforma da Previdência ainda será responsável por cortar a aposentadoria de milhões de brasileiros. Toda vez em que os defensores da reforma dizem que vão “economizar” dinheiro – seja R$1 trilhão ou R$900 bilhões – isto quer dizer que o Estado está deixando de pagar exatamente a mesma cifra aos trabalhadores brasileiros. R$1 trilhão de “economia” gerada pela reforma da Previdência é R$1 trilhão arrancado das mãos dos trabalhadores brasileiros. Na maioria dos casos, trabalhadores pobres já que mais de 80% da dita economia virá de cortes sobre benefícios de quem ganha até dois salários mínimos. Trata-se de dinheiro a menos para fazer compras de supermercado, pagar contas, etc. Além do inegável mal estar que isso causa na vida dessas pessoas, haverá impacto sobre a economia nacional, sobretudo nos municípios do interior do Brasil. Justamente em tempos de crise, o governo e o parlamento estão tirando a capacidade de consumo de milhões de pessoas. Por isso a reforma da Previdência é uma aberração econômica e uma tragédia social.

O que resta fazer agora?

A batalha da Previdência ainda não terminou! A proposta precisa ser aprovada em mais um turno na Câmara, que deve ocorrer em agosto. Depois, haverá ainda dois turnos de votação no Senado. Mesmo que nossa situação tenha se tornado evidentemente mais difícil, ainda é possível pressionar para que haja mais recuos ou mesmo para que a reforma de conjunto seja rejeitada. Os recuos conquistados até aqui, se não servem para nos tranquilizar absolutamente, demonstram pelo menos que, com pressão dos trabalhadores, é possível arrancar vitórias. Sobretudo no dia da votação do segundo turno, é preciso que aconteça um forte movimento no Brasil todo. Contamos com vocês!