Em 1ª rodada de convidados, CPI do MST fica marcada como palco da violência política de gênero

Alvo de reiteradas tentativas de silenciamento e intimidação por parte de bolsonaristas, Sâmia Bomfim (PSOL-SP) segue no ataque expondo a "ficha suja" dos ruralistas.

2 jun 2023, 13:56 Tempo de leitura: 4 minutos, 36 segundos
Em 1ª rodada de convidados, CPI do MST fica marcada como palco da violência política de gênero

Fonte: Leandro Rodrigues/ASCOM-Sâmia

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara que tenta criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), novamente, serviu cenas de misoginia contra a deputada Sâmia Bomfim (SP), titular do PSOL. Além do presidente da comissão, Luciano Zucco (Republicanos-RS), que deve responder a um inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR) por violência política de gênero, o relator Ricardo Salles (PL-SP) também se atreveu a silenciar a atuação da parlamentar. Outro bolsonarista, Abilio Brunini (PL-MT), chegou a intimidar fisicamente Sâmia e sua colega de bancada, Talíria Petrone (RJ).

Na terça (30), a CPI recebeu o casal Nelcilene Reis e Ivan Xavier, ex-integrantes do acampamento Marias da Terra, no Distrito Federal. Anunciada como uma audiência pública, a sessão foi desvirtuada pela mesa e ganhou ares de oitiva, colocando os convidados na posição de testemunhas. De forma confusa e infringindo o regimento da Casa, Salles passou a interrogar o casal, que devolveu um emaranhado de ilações sem provas, afirmações óbvias e respostas que soaram como positivas sobre as condições de onde moravam, frustrando a expectativa da oposição. O relator era flagrado a todo momento cochichando e escrevendo recados a Nelcilene, que também foi orientada por Zucco a se retirar antes de responder às perguntas da base governista.

Em sua fala, Sâmia comentou sobre uma diligência feita um dia antes (29) pela CPI no Pontal do Paranapanema (SP). Na ação, acompanhado por policiais, o clã bolsonarista invadiu moradias sem autorização e coagiu diversos trabalhadores, numa nítida demonstração de abuso de autoridade. “Vocês saem espalhando por aí que nós fazemos isso. Hein, deputado Salles? Que está sonhando em disputar a prefeitura [de São Paulo] contra o Guilherme Boulos e nem o seu próprio partido conseguiu convencer ainda. Vive acusando ele de fazer invasão da casa alheia, mas invadiu o barraco onde essas pessoas moram”, disparou.

Em seguida, a deputada teve o microfone cortado por Salles, protestou e pediu para ter o tempo de fala reposto. Ela, mais uma vez, ironizou o ex-ministro do Meio Ambiente envolvido com tráfico de madeira: “É mais um que quer a PGR fazendo investigação, assim como está acontecendo com o presidente da CPI. Além da Polícia Federal, o senhor vai ter a PGR batendo na porta daqui a pouco. O senhor se controle e não interrompa. […] Se quando era ministro atuava para defender madeireiro, agora, que é deputado, atua para defender grileiro?”.

Caiu do cavalo

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), foi o convidado da CPI na quarta (31) sob o argumento de que, em seu estado, não há ocupações do MST. Com o início da sessão, deu-se também uma nova série de violações contra Sâmia, que teve o microfone desligado logo de cara e uma questão de ordem indeferida por Zucco antes mesmo de expor seu questionamento. Outras cinco questões de ordem da deputada foram negadas ao longo da reunião.

Porém, a tentativa de silenciamento não surtiu efeito. Em seu tempo de fala pela Liderança do PSOL, Sâmia lembrou ao governador – que pouco antes havia associado o MST ao comércio ilegal de drogas – sobre um dos seus maiores financiadores de campanha em 2018. Forte empresário do agro no centro-oeste, Alexandre Negrão respondeu por associação ao tráfico e facilitação de refino de cocaína, sendo investigado, inclusive, por uma CPI que tratou do assunto na Câmara há duas décadas.

Sâmia falou ainda do passado de Caiado como líder político da União Democrática Ruralista (UDR), organização de grandes latifundiários de extrema-direita que esteve ligada ao assassinato do sindicalista e seringueiro Chico Mendes, em 1988, no Acre. A deputada prosseguiu com a “ficha suja” da família Caiado, que reúne diversos crimes de trabalho análogo às escravidão, e explanou sobre a dedicação do governador para impedir avanços da reforma agrária no Brasil.

Ao mencionar dados da ONU que apontam Goiânia como a cidade da América Latina com maior índice de concentração de renda, a parlamentar foi novamente atravessada pelos bolsonaristas, que ovacionaram Caiado como se esse fosse um resultado positivo. Em tom irônico, Sâmia deu aula: “Talvez os deputados não saibam o conceito de ‘concentração de renda’. Significa que poucos têm muito dinheiro e muitos não têm quase nada, significa desigualdade social e injustiça. É contra isso que a esquerda e o marxismo, que o senhor tanto diz odiar, combatem. E é por isso que existem os movimentos sociais”.

Em outro momento de flagrante violência política de gênero, o bolsonarista Abilio Brunini, que não é membro da CPI e estava presente apenas para tumultuar, tentou intimidar Sâmia e Talíria fisicamente, emparedando as duas para impedi-las de se dirigirem a Caiado, Salles e Zucco. Ambas reagiram e o deputado partiu para cima de forma ameaçadora, tendo que ser controlado pela colega Silvye Alves (União-GO). A enfermeira e ativista Líbia Bellusci, que acompanhava a sessão, gritou em defesa das parlamentares do PSOL e Zucco determinou que ela fosse retirada do plenário. A decisão de expulsá-la gerou um novo conflito que acabou garantindo a presença da mulher.