Na ExpoCannabis, Sâmia diz que reparação econômica e social via legalização é um dos temas importantes da sociedade

A deputada do PSOL foi uma das conferencistas do Fórum Internacional do evento, ao lado de outras 120 autoridades e especialistas de países como Argentina, Estados Unidos, México, Paraguai e Uruguai.

19 set 2023, 16:47 Tempo de leitura: 4 minutos, 59 segundos
Na ExpoCannabis, Sâmia diz que reparação econômica e social via legalização é um dos temas importantes da sociedade

Fonte: Rafael Giovannini/ASCOM-Sâmia Bomfim)

De 15 a 17 de setembro, São Paulo sediou a primeira edição da ExpoCannabis Brasil, feira internacional dedicada a discutir e educar sobre as variadas formas de uso da cannabis por diferentes segmentos da indústria. O evento contou com mais de 120 especialistas e autoridades de diversos países, além de 140 expositores, movimentando um público de aproximadamente 25 mil pessoas e fomentando o debate sobre a regulamentação da maconha no país. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) foi uma das convidadas do fórum da exposição, para tratar do painel “Reparação econômica e social por meio da planta”.

A parlamentar abriu sua fala classificando o tema como um dos mais “importantes da sociedade brasileira” na atualidade. Ela apontou que o país possui a terceira maior população carcerária do mundo, sendo que um terço foi enquadrado como traficante pela chamada Lei de Drogas: “Boa parte dessas pessoas tem como único testemunho que levou à prisão a voz do policial que fez a abordagem, a maioria delas nem sequer passou por um julgamento, são presos provisórios. Então, estão no sistema carcerário sabe-se lá por quanto tempo, sem direito de defesa, e que estão ali acusadas sob uma única voz que está a serviço dessa política de Estado, que é de repressão e hiperencarceramento”, afirmou.

Para Sâmia, não é possível encarar essa realidade sem considerar que o racismo é estruturante e que, portanto, a iminente legalização da cannabis deve levar em conta a responsabilidade do Estado sobre os anos em que muitos indivíduos ficaram privados de liberdade injustamente. “Não sei dizer quanto move um evento como este, mas imagino que seja muita grana, considerando a quantidade de inscritos. Se o mercado da cannabis gera tanto dinheiro, num mundo em que a maconha e outras drogas são legalizadas, é preciso pensar que muita gente passou por um processo sangrento e repressivo de encarceramento, então, essa grana deve ser também direcionada para que elas tenham oportunidade, dignidade, emprego e para que suas famílias possam ser inseridas em uma outra lógica de sociedade”.

PL 399/2015 na Câmara

Sâmia também apresentou um panorama sobre o atual status da regulamentação no Brasil. De acordo com a deputada, a discussão que ocorre hoje no campo político não é se a maconha será legalizada, mas de que modo isso deve ocorrer. A parlamentar lembrou que seu mandato promoveu, em julho, um seminário e uma audiência pública acerca do tema na Câmara. Porém, lamentou que a pauta esteja avançando no Congresso não pela sensibilização à violência do racismo e à necessidade de reparação, mas pelo viés mercadológico.

Ela citou como exemplo a votação do Projeto de Lei 399/2015 – que pretende viabilizar a produção e comercialização de medicamentos feitos à base da cannabis – em comissão especial, aprovado por apenas um voto de minerva, dado pelo então presidente do colegiado, Paulo Teixeira (PT-SP). Nesse sentido, o resultado positivo conquistado de forma apertada se concretizou pelo convencimento de uma parcela “arejada” da bancada ruralista, que viu o enorme potencial lucrativo da planta após a liberação do cultivo e comercialização. “Só foi possível avançar com o projeto porque entrou no texto todo um capítulo sobre o cânhamo industrial. Um setor bem minoritário do agro viu: ‘poxa, há aí um aspecto que não tem uma ampla produção no Brasil, do qual eu posso ser pioneiro e ganhar dinheiro’”, contou.

Ainda sobre o PL, a deputada destacou o debate a respeito do reconhecimento das associações terapêuticas . “Elas existem há um tempo no Brasil, cavaram o chão com a unha e muitas delas são organizadas por mães e familiares que já foram enquadrados como traficantes internacionais para garantir o tratamento de seus filhos. Essas associações não podem ser descartadas”, reforçou Sâmia, que contou ter apresentado uma emenda com o intuito de garantir o direito dessas associações seguirem produzindo e distribuindo derivados da chamada “cannabis medicinal”. No entanto, a emenda foi rejeitada pela comissão especial.

RE 635659 no STF

Ao final de sua participação na conferência, Sâmia comentou sobre a o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que trata da descriminalização do porte de maconha para consumo próprio: “Muitas vezes eu ouço no Congresso e também na sociedade que existe uma politização do Judiciário e que é um absurdo que o STF debata temas que deveriam ser de exclusividade da Câmara, mas é ridículo achar que a Justiça não é política e de para quê a Constituição está a serviço”.

Ela ressaltou que a Lei de Drogas foi responsável pelo hiperencarceramento no Brasil e que o perfil dessa população é composto por grande maioria de negros, jovens e que não completaram o ensino fundamental. “Então, que bom que o STF esteja debatendo isso, mas também que pena que seja o STF e, no meu ponto de vista, sob esse aspecto do lobby, de um nicho mercadológico. Mas, já que estão debatendo, vamos nós colocar o nosso quinhão, a nossa perspectiva. E aí, esse tema da reparação é fundamental”.

Além de Sâmia, participaram do painel a antropóloga e escritora mexicana Polita Pepper, cofundadora da associação Cannativa; a deputada argentina Ana Carolina Gaillard, autora da lei sobre descriminalização do consumo em seu país; a coordenadora do coletivo Movimentos, Jéssica Souto; a jornalista do Observatório da Branquitude, Juliana Gonçalves; a sobrevivente do cárcere e integrante do Coletivo Por Nós, Mary Jello; e o fundador do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), Joel Luiz Costa.