As 10 mulheres mais votadas do Brasil: em entrevista, Sâmia elenca prioridades do novo mandato

A revista Marie Claire quis saber a posição da deputada sobre temas fortes que impactam diretamente a vida dos brasileiros, especialmente a das mulheres.

9 fev 2023, 14:18 Tempo de leitura: 7 minutos, 39 segundos
As 10 mulheres mais votadas do Brasil: em entrevista, Sâmia elenca prioridades do novo mandato

A série “Mulheres na Política”, do portal Marie Claire, buscou traçar um perfil das dez mulheres mais votadas para a Câmara Federal em 2022 e que tomaram posse em 1º de fevereiro. Reeleita com mais de 226 mil votos, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) figura nesse ranking, além de ser a 30º parlamentar mais bem votada de todo o Brasil.

A versão digital da revista ressaltou que a principal pauta de Sâmia no Parlamento é a defesa dos direitos das mulheres, destacando entre seus projetos o PL 1974/2021, que cria o Estatuto da Parentalidade. A proposta – apresentada em coautoria com seu companheiro, deputado Glauber Rocha (PSOL-RJ) – estabelece a licença de seis meses para os dois responsáveis pela criança, evitando sobrecarregar a mãe no período em que o bebê exige mais cuidados.

Descriminalização do aborto, combate ao feminicído, luta contra a fome, desenvolvimento sustentável, enfrentamento às violências política e policial, legalização das drogas e o fim da política de encarceramento em massa são outros temas que Sâmia prentende debater na atual Legislatura. Confira trechos da entrevista publicada nesta segunda (06):

ABORTO

“Defendo a legalização do aborto no Brasil para todos os casos. Na América Latina nós vivemos uma onda verde, em que esse direito foi conquistado pela luta das mulheres em diversos países. Pretendo pautar, nessa legislatura, esse tema que é um problema grave de saúde pública.”

FEMINICÍDIO E À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

“O Brasil tem uma das melhores legislações do mundo sobre o combate à violência contra as mulheres, no entanto, não há orçamento para a construção de uma rede de proteção às vítimas e de enfrentamento à violência. Somente 10% das cidades contam com algum tipo de equipamento público de acolhida a mulheres. Atuarei por uma composição orçamentária devida e pelo aprimoramento dos serviços públicos que atendem essas vítimas. Também lutarei por campanhas permanentes e o amplo estímulo na proteção contra crimes de violência de gênero.”

FOME

“Precisamos fortalecer a agricultura familiar e retomar os bancos de alimentos, que foram destruídos pelo governo Bolsonaro. São formas de fortalecer estruturalmente o abastecimento alimentar no Brasil, com comida de qualidade, e garantir que haja reserva, impedindo o desabastecimento, mas principalmente possibilitando que a população mais pobre tenha acesso à alimentação de qualidade e gratuita.”

TETO DE GASTOS

“Sou contra a existência do teto de gastos e fiquei muito feliz pela derrubada do teto, em especial na aprovação da PEC da Transição. Mas me preocupa a proposta de uma nova âncora fiscal, porque isso vai de algum modo fazer com que nosso país siga essa regra fiscalista e artificial que se provou, em especial nos últimos anos, ruim para a economia brasileira, principalmente para os mais pobres. O país acaba não crescendo e não tendo investimentos à altura do que o Brasil precisa. Pretendo também lutar para que a gente enfrente o tema da dívida pública, que consome praticamente 50% do orçamento do Brasil com pagamento de juros e amortizações, enquanto se alega que faltam recursos para as áreas essenciais. Acho que são esses os assuntos econômicos que precisam estar na ordem do dia.”

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE

“A Câmara precisa barrar os projetos que estão em curso de retrocessos nas áreas ambientais e, no rumo contrário disso, garantir que não haja desmatamento, que haja reflorestamento, proteção das terras indígenas e dos biomas que ainda estão preservados. Isso de forma alguma significa conflito com o desenvolvimento social, pois o que se faz necessário é que a gente não tenha mais uma lógica tão destrutiva e de superexploração do meio ambiente, mas saber aproveitar com inteligência, com ciência e tecnologia, com elementos como biotecnologia e compreensão dos recursos naturais como uma possibilidade de desenvolvimento quando bem preservados, já que o oposto disso é a impossibilidade de qualquer desenvolvimento ou chance de sobrevivência.”

VIOLÊNCIA POLÍTICA

“Essa foi e é uma das maiores preocupações do nosso mandato. É necessário fortalecer os programas de proteção às vítimas de violência. Nesse sentido nós queremos que se resolva definitivamente o assassinato da Marielle Franco no atual governo. Já faz muito tempo que o Brasil e o mundo exigem respostas, e enquanto o crime contra a nossa companheira permanecer impune, vai ser naturalizado no Brasil o assassinato e a violência contra outros defensores e defensoras de direitos humanos. Então, Justiça para Marielle e para as demais ‘Marielles do Brasil’. Tendo ela como símbolo dessa luta, é indispensável para que defendam os direitos humanos em nosso país.”

VIOLÊNCIA POLICIAL

“Defendo algumas mudanças na política de segurança pública, como por exemplo a legalização das drogas, que acabaria com a chamada guerra às drogas – que na verdade é uma guerra aos pobres, especialmente nas periferias do Brasil. Combateria a lógica do hiperencarceramento, que só faz crescer as facções criminosas sem dar qualquer perspectiva de recuperação e futuro para milhares de jovens brasileiros.

Também acho necessário repensar a estrutura das carreiras policiais, que em geral são profissionais que ganham geralmente muito pouco, com péssimas condições de trabalho e que, portanto, acabam tendo um impacto mais violento sobre a população, sem formação em direitos humanos. E o tema da própria desmilitarização das polícias, que hoje seguem uma lógica violenta e repressiva, não de atenção à população, sem prezar por direitos. Acho que essas são algumas medidas para que o Brasil possa repensar sua política de segurança pública.”

ENCARCERAMENTO EM MASSA E DROGAS

“Como disse anteriormente, sou favorável à legalização das drogas. A começar pela própria maconha. Na última legislatura a gente desarquivou o projeto de lei do deputado Jean Wyllys [PL nº 7270/14] e pretendemos fazer a mesma coisa. Essa é uma pauta que dá início ao pensamento de uma outra política de drogas para o Brasil, que não sirva para alimentar a hipocrisia e o lucro de poucos grandes reis do tráfico internacional, que têm costas quentes, que têm relações políticas e institucionais; enquanto a maioria, tanto dos usuários quanto daqueles que não têm nenhuma relação com toda a cadeia do tráfico, são penalizados, hiper encarcerados, assassinados e presos. Então nós queremos que o Brasil mude esta lógica.”

MACHISMO

“O machismo, infelizmente, é parte estruturante da sociedade brasileira e também da política, para mulheres, parlamentares. Já fui vítima de diversas formas, sempre recebendo ofensas sobre meu corpo, minha forma física, mas acho que se manifestou de forma mais profunda quando me tornei mãe e precisei brigar para que a Câmara reconhecesse a maternidade como de fato um direito. Antes, deputadas em licença maternidade eram registradas como ‘ausentes’, o que acarretava numa confusão com a população e não apresentava a maternidade como direito. Eu estava sob licença, e não tinha ‘faltado’ àquela sessão. A partir dessa luta, isso se alterou. Esse machismo que recai sobre as mães, falta de espaço para amamentação, de tempo… Isso recai sobre as mulheres brasileiras. Mesmo tendo noção disso, senti mais quando me tornei mãe – ainda mais sendo uma mãe na política.”

BANCADA FEMININA

“Apesar das inúmeras diferenças que existem entre as deputadas, há algumas pautas que acredito que sejam de comum acordo. Um desses temas diz respeito à igualdade salarial, que atinge todas as mulheres brasileiras, e que pode ser abraçada por todos os espectros políticos e ideológicos representados na Câmara. Outro tema é o compromisso que diz respeito ao enfrentamento da violência contra as mulheres. Foi assim na outra legislatura e acredito que vai se repetir nesta que se inicia. Precisamos tentar encontrar essas pautas em comum.

É verdade que muitas pautas a serem debatidas terão divergências, mas não acho que seja um problema. As visões e opiniões devem ser apresentadas. Da minha parte, não deixarei de pautar temas que não são consenso entre todas, mas que são muitíssimo necessários, como os direitos sexuais e reprodutivos.”

PRINCIPAIS PAUTAS

“Minha pauta prioritária será sempre a vida das mulheres e sua luta pela sobrevivência. Essa é uma temática transversal, que permeia todos os outros temas sociais, econômicos e estruturais. Depois que tive filho, fiquei com muita vontade de estudar mais sobre a primeira infância e trabalhar com essa temática no Congresso. Mas vejo que a primeira infância, assim como tantas outras pautas, está diretamente ligada à temática das mulheres. Sou uma deputada feminista e minha pauta, certamente, está voltada para que as mulheres tenham mais direitos.”