Meia entrada feminina no futebol: entenda o projeto de lei apresentado por Sâmia Bomfim
A lei afetaria clubes e instituições de toda ordem no território brasileiro. O benefício seria concedido em até 50% do total dos ingressos disponíveis para cada jogo.
13 fev 2023, 15:17 Tempo de leitura: 5 minutos, 11 segundos*Esta matéria é uma adaptação de semelhante veiculada na coluna de Alícia Klein, no UOL
Sâmia Bomfim (PSOL-SP) protocolou o projeto no início da nova legislatura, caso aprovada, a lei afetaria clubes e instituições de toda ordem no território brasileiro. O benefício seria concedido em até 50% do total dos ingressos disponíveis para cada jogo.
A deputada, expoente do feminismo no Congresso, foi procurada por Analu Tomé, conselheira do Corinthians e co-fundadora do Movimento Toda Poderosa Corinthiana. A articulação conjunta resultou no PL 168/2023.
Dentre as justificativas, o projeto destaca a construção histórica da cultura futebolística no Brasil, que por décadas chegou a proibir a prática do esporte por mulheres, o que resultou na marginalização de jogadoras, árbitras, torcedoras, jornalistas desportivas, comentaristas ou mesmo na ocupação de cargos diretivos dos clubes. Quando comparada à modalidade masculina do esporte, o resultado dessa desigualdade de gênero afeta não só a participação, mas gera baixos salários e contratos curtos para elAs no mundo do futebol.
“O histórico de exclusão das mulheres no futebol se reflete dentro de campo, nos estádios e para além deles. Há, inclusive, uma ausência de políticas públicas de incentivo e investimento para que mulheres joguem e assistam futebol. Ainda que a situação esteja mudando, e hoje sejamos parte significativa das torcidas, não é raro o desconforto de mulheres em estádios, em especial quando estão desacompanhadas de figuras masculinas. Queremos com esse projeto contribuir para que mais mulheres vejam e sejam vistas como parte do mundo do futebol. Acredito que a iniciativa será boa para o futebol e para as mulheres, e portanto será boa para o Brasil!” afirma Sâmia.
“Recentemente uma decisão judicial, após uma briga entre torcidas, permitiu que o Athletico-PR recebesse apenas mulheres e crianças num jogo do campeonato estadual. O resultado foi de 37 mil torcedoras, recorde de público da última década do campeonato. As perguntas que ficam são: onde estão todas essas mulheres em jogos onde os portões estão abertos também ao público masculino? Porque elas não se sentem à vontade para torcer nos estádios? Mulheres, que na nossa sociedade recebem salários comprovadamente menores, têm condições de comprar ingressos para os jogos? Foi com essa preocupação e em diálogo com os movimentos de torcedoras que procurei a deputada Sâmia, o que resultou no Projeto de Lei. Queremos ampliar a nossa presença nos estádios.” declarou a conselheira do Corinthians, Analu Tomé.
Alícia Klein: Se o que afasta as mulheres do estádio é a violência, como oferecer meia-entradas e um tratamento diferenciado ataca esse problema? Ver só mulheres no estádio, como nos últimos exemplos em Curitiba, não deixa a mensagem de que homens não podem conviver pacificamente com mulheres e crianças?
Sâmia Bomfim: Acredito que o assédio sexual e as múltiplas facetas da violência de gênero são as principais causas da baixa adesão de mulheres ao cotidiano dos estádios de futebol, mas não são as únicas. Como resposta a essas duas principais causas, em setembro de 2022 propus o PL 2448/2022 que trata justamente de medidas de proteção das vítimas em casos de assédio e importunação sexual ocorridas em arenas de futebol. O projeto atua a partir da alteração do Estatuto do Torcedor, tendo como eixo desse combate a prevenção, conscientização e os métodos de resolução de casos.
Já o fundamento da medida da meia-entrada com o recorte de gênero, é a inclusão material de mulheres nesses ambientes para além do posicionamento reativo das muitas situações de violência. Veja: se um espaço é ocupado majoritariamente por homens, como é o caso do futebol brasileiro, dificilmente os debates sobre a inclusão e a participação das mulheres estarão no centro da discussão sobre os avanços do esporte. Ainda, há que se considerar o histórico de avanços de direitos das mulheres, muitas das vezes restritos à perspectiva doméstica; trata-se de enxergar a mulher como detentora do direito da vida pública e das oportunidades de lazer.
O objetivo do projeto é efetivar a igualdade entre homens e mulheres a usufruírem do direito ao lazer e ao acesso a um esporte que por muito tempo foi feito para os homens. Trata-se não da tentativa de retirar homens das cadeiras dos estádios, mas de ocupá-las com mulheres e todos os debates a elas intrínsecos que permitem o amadurecimento de toda a sociedade. Só com um número expressivo de mulheres frequentando jogos, participando de torcidas organizadas e direções dos clubes é que será possível uma nova mentalidade da convivência entre homens e mulheres sem que estas se sintam excluídas do futebol.
Alícia Klein: A instituição de um vasto número de ingressos obrigatoriamente mais baratos não arrisca deixar os ingressos como um todo mais caros? Já vemos isso em shows, o famoso metade do dobro.
Sâmia Bomfim: A meia-entrada permitirá que cada vez mais ingressos sejam vendidos. Afinal, sem esse incentivo, dificilmente mães solo, mulheres em subempregos e mulheres em situação de desigualdade salarial teriam chances mínimas de participarem desses jogos, como é o caso de muitas brasileiras. Exemplo é que já é comum que anualmente no dia 8 de Março os clubes promovem ações semelhantes muito vitoriosas. Quanto mais ingressos forem vendidos, melhor para as vendas, já que além dos ingressos, muitas vezes não esgotados, essas mulheres poderiam consumir serviços e produtos comercializados nesses jogos. Parte-se da análise que o incentivo não beneficia só a mulher mas a toda a cadeia de consumo que envolve o futebol. Quanto à fiscalização do repasse dos custos ao consumidor, temos que seguir enfrentando esse debate em todo o mercado de cultura, esporte e lazer, assim como fazemos nos direitos de meia entrada para estudantes, crianças e idosos.