Com aval de Lira, partido de Bolsonaro tenta intimidar deputadas no Conselho de Ética em ataque machista sem precedentes
Sâmia e outras cinco parlamentares de esquerda tiveram processo de cassação instaurado a pedido do PL, por terem protestado contra aprovação do Marco Temporal das terras indígenas.
18 jun 2023, 19:52 Tempo de leitura: 4 minutos, 52 segundosO Conselho de Ética da Câmara instaurou, na última quarta (14), processos disciplinares para apurar a conduta de seis deputadas da esquerda: Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Célia Xakriabá (PSOL-MG), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Erika Kokay (PT-DF) e Juliana Cardoso (PT-SP). As representações foram apresentadas pelo PL, partido de Bolsonaro, que acusa as parlamentares de quebra de decoro por terem protestado durante a sessão que aprovou o Projeto de Lei 490/2007, o chamado Marco Temporal para demarcações das terras indígenas, no fim de maio. O fato chamou atenção pelo evidente cunho machista.
Na votação em questão, as deputadas se manifestaram contra o texto que limita o reconhecimento dos territórios indígenas àqueles ocupados até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que assina as representações, alega que as seis congressistas ofenderam membros da oposição, especialmente Zé Trovão (PL-SC), relator do pedido de urgência, ao gritarem palavras de ordem como “Assassinos do povo indígena!” com o microfone cortado, além de terem usado as redes sociais para “manchar a honra de diversos deputados”.
Inicialmente, Costa Neto apresentou uma representação conjunta contra todas as deputadas de uma só vez, o que vai contra o regimento da Casa. No dia seguinte à votação, 31 de maio, o presidente Arthur Lira (PP-AL), numa agilidade incomum, remeteu a ação ao Conselho de Ética. Em 2 de junho, diante da irregularidade, um ofício do PL pediu a retirada de tramitação, o que foi acatado dez dias depois pela Mesa Diretora. No entanto, em ato contínuo, foram recebidas as novas representações de forma individualizada para cada uma das seis parlamentares, momentos antes da instauração dos processos pelo Conselho de Ética.
“Como é que se aceita uma ação contra seis deputadas de uma vez? Aí, percebendo a gravidade, resolveram voltar atrás e apresentar as representações individuais, que foram aceitas em tempo recorde, apenas quatro horas entre o protocolo e chegar aqui na pauta do Conselho. Isso nunca tinha acontecido na história do Congresso Nacional, o que demonstra um objetivo político claro, de tentativa de intimidação”, apontou Sâmia durante a reunião do colegiado. As representadas, juntamente com outros parlamentares, protestaram segurando cartazes que diziam “Não vão nos calar”, “Não vão nos intimidar” e “Basta de machismo”.
Em sua fala, a deputada lembrou que diariamente é alvo de xingamentos e ameaças dentro e fora do Parlamento, mas que nenhuma medida foi tomada, de fato, pelo presidente da Câmara para coibir essas violências. “A gente fez uma palavra de ordem no plenário que também foi entoada por homens e nenhum deles está listado nessa casa às bruxas aqui no Conselho de Ética. O que é isso senão mais uma manifestação de machismo? Com um agravante: nós estávamos lutando contra o Marco Temporal, que teve ampla repercussão internacional pela gravidade desse ataque histórico aos povos originários do nosso país”, reforçou Sâmia.
A régua de Lira
Ao fim da sessão do Conselho de Ética, em que foi sorteada uma lista tríplice de possíveis relatores para cada um dos casos, as deputadas representadas fizeram um pronunciamento à imprensa, recebendo solidariedade de diversas outras parlamentares. Durante sua declaração, Sâmia Bomfim destacou o papel de Arthur Lira nesse processo:
“Ele já deu diversas declarações de que vai fazer punição para ‘os dois lados’, colocando um sinal de igual entre aqueles que praticam a violência e àquelas que reagem à violência. Os que praticam são do partido do ex-presidente da República, que ficou quatro anos sentado no governo utilizando o machismo como método permanente de ataque a todas as mulheres brasileiras”.
Em contraste à celeridade dada para as ações do PL contra as deputadas de esquerda, os pedidos de análise da conduta dos bolsonaristas envolvidos com atentados criminosos seguem engavetados a mais de quatro meses pelo presidente da Câmara. “Até agora, Lira finge que não leu nenhuma representação contra os que participaram dos atos golpistas no dia 8 de janeiro”, acrescentou a deputada.
Sâmia finalizou seu discurso afirmando que, por mais que tentem intimidar as mulheres no Congresso com mais esse nítido caso de violência política de gênero, elas jamais serão caladas. “É muito difícil ser eleita, mas depois é difícil demais calarem a nossa voz. A representação que estamos fazendo aqui não é só nossa. É de milhares ou milhões, somando os nossos votos, de mulheres do povo brasileiro. Nós vamos nos multiplicar cada vez mais, não só aqui na Câmara Federal, mas no Brasil inteiro. As mulheres estão se levantando e não vão mais parar”.
Tramitação
Após a escolha dos relatores pelo presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA), cada um terá dez dias úteis para elaborar um parecer preliminar, em que deverá recomendar o arquivamento ou o prosseguimento da investigação. Se entender pela continuidade do processo, a deputada notificada apresentará sua defesa e será feita coleta de provas.
Na sequência, o relator elaborará um novo parecer, em que pode pedir a absolvição ou aplicação de punição, que vai de censura à perda do mandato parlamentar. A deputada poderá recorrer da decisão à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Se o Conselho de Ética decidir pela suspensão ou cassação do mandato de um parlamentar, o processo segue para o plenário da Câmara, que terá a palavra final. O prazo máximo de tramitação dos processos no Conselho é de 90 dias.