Audiência pública expõe dados alarmantes sobre casamento infantil no Brasil e alerta para subnotificação
Tema foi debatido na Comissão da Mulher a pedido de Sâmia: “É preciso eliminar essa realidade do país”.
26 jun 2023, 18:55 Tempo de leitura: 3 minutos, 26 segundosA Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara promoveu na última quinta (22) audiência pública para debater uma chocante realidade que assombra o Brasil: o alto índice de casamento infantil. A atividade foi solicitada pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e contou com a presença de representantes do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, do Instituto Alana, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da Plan International Brasil e do Núcleo Especializado de Infância e Juventude (NEIJ) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
A advogada Mariana Zan, representante do Instituto Alana, afirmou que os dados existentes sobre o casamento infantil no Brasil são alarmantes, mas não correspondem à realidade por causa da subnotificação. Ela ressaltou que, por ser uma grave violação dos direitos humanos, a prática deve ser combatida por toda a sociedade.
“Não cabe só ao Estado, não cabe só às famílias, que no Brasil temos uma cultura de culpabilizar muito as famílias. E cabe sobretudo a nós também como comunidade, pessoas que não tenham filhos e filhas, mas é um compromisso enquanto sociedade, enquanto coletividade proteger os direitos de crianças e adolescentes”, afirmou a advogada.
No Brasil, dados do Censo de 2010 mostram que 1,6 milhão de meninas com menos de 18 anos viviam em união estável. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), é considerado casamento infantil a união de pessoas com menos de 18 anos. Desde 2019, uma alteração no Código Civil feita pela Lei 13.811/19 proibiu o casamento de menores de 16 anos, mas na prática uma em cada nove meninas no Brasil se casa antes dos 15 anos.
Evasão escolar
A representante da UNFPA, Luana Silva, ressaltou que o casamento precoce aumenta ainda mais as desigualdades sociais. “Muitas vezes, o casamento é o impeditivo de ir para a escola. E não ir para a escola significa menor empregabilidade, ou empregos precários ou informalidade. Então isso prejudica uma geração inteira”, alertou.
Já a representante da ONG Plan International Brasil, Ana Nery Correia, lembrou que o casamento infantil, além de todos os danos sociais que causa, principalmente para as meninas, pode provocar prejuízo de bilhões de reais para o país. “Em uma perspectiva econômica e social também muito ligada a essa questão da gravidez não intencional, da gravidez na adolescência, um relatório da ONU afirma que o Brasil deixa de acrescentar 3,5 bilhões de dólares na sua riqueza nacional por ano devido à gravidez de milhares de adolescentes”, informou.
O ministro Rogério Schietti, do STJ, afirmou que está preocupado com a relativização da presunção de violência no caso de relações sexuais com menores de 14 anos que está sendo adotada em muitos tribunais no Brasil. Para ele, o abrandamento sistemático das penas para esse tipo de crime pode fazer com que essas condutas voltem a ter uma punição branda. Segundo o jurista, o País não pode normalizar as relações entre adultos e crianças, que devem ser protegidas pelo Estado e por toda a sociedade.
Sâmia, que presidiu a audiência, sugeriu que o Brasil seja denunciado nos tribunais internacionais, uma vez que o país é signatário de convenções de proteção a crianças e adolescentes, para que se comece a eliminar o casamento infantil da realidade do País. “Se o Orçamento não está sendo voltado de fato para isso, que seja. Se há brechas na legislação, que elas sejam adaptadas. E isso não significa uma cobrança sobre um governo específico ou outro, é o Estado brasileiro se estruturando, se organizando”, defendeu.
A parlamentar sugeriu ainda que os deputados se empenhem em mudar a lei vigente, voltando à ideia original de proibir casamento de pessoas com menos de 18 anos.
Assista a audiência na íntegra: