Sâmia Bomfim aciona CNJ contra decisão que absolveu de estupro homem que engravidou menina de 12 anos
Além do ofício ao órgão, Frente em Defesa da Criança e do Adolescentes - coordenada pela deputada - emitiu nota de repúdio subscrita por mais de 50 entidades
21 mar 2024, 21:21 Tempo de leitura: 7 minutos, 4 segundosA deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) enviou um ofício, na última terça (19), ao corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, em que pede a adoção de providências contra a decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não reconheceu como estupro de vulnerável uma relação entre um homem de 20 anos e uma menina de 12. O caso foi denunciado pela mãe da vítima após constatar que a criança estava grávida.
O Código Penal estabelece que qualquer relação sexual com menores de 14 anos é classificada como crime, independente do consentimento da vítima ou de seu passado sexual. O próprio STJ tem entendimento consolidado nesse sentido, mas tem aceitado excepcionalidades e descartado crime quando entende que a medida não beneficiaria a sociedade. Por 3 votos a 2, a banca de magistrados avaliou que esse caso se enquadra como excepcional.
Para a deputada – que assina o ofício na condição de coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente -, a decisão do STJ “configura um precedente de extrema gravidade e representa um retrocesso inadmissível, colocando em discussão a segurança e o bem-estar psicossocial de nossas crianças e adolescentes”. Sâmia disse ainda, no documento, que a alegação de que a constituição de “união estável” ou a prestação de assistência paterna não pode atenuar a gravidade do ato de estupro de vulnerável, ignorando os danos profundos e permanentes infligidos à vítima.
“A fixação de um limiar etário para o consentimento sexual constitui medida de proteção essencial, visando salvaguardar o público infantojuvenil contra abusos e explorações de natureza sexual, reconhecendo sua condição peculiar de desenvolvimento e a consequente incapacidade de consentimento válido para atos dessa complexidade”, escreveu Sâmia.
À CNN, ela afirmou ainda que “essa postura acaba fragilizando ainda mais a situação das nossas crianças e adolescentes”: “Lembrando que mais de 70% dos casos de violência sexual no Brasil são justamente com menores de idade. Indiretamente é uma aceitação e naturalização desses fatos”, afirma a deputada.
O caso
No caso julgado, o homem foi condenado na Justiça de Minas por estupro de vulnerável a 11 anos e 3 meses de prisão. Ele, no entanto, foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Na sequência, o Ministério Público recorreu ao STJ pedindo a condenação. Relator do caso, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca votou contra a condenação, alegando defender os direitos da criança e citando que o homem era humilde.
Além do ofício, a frente coordenada por Sâmia e outras parlamentares divulgou uma nota de repúdio ao posicionamento do STJ, subscrita por mais de 50 entidades ligadas aos direitos humanos. Leia na íntegra:
NOTA DE REPÚDIO E MANIFESTAÇÃO DE PREOCUPAÇÃO
A Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, sob a coordenação colegiada das Deputadas Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Laura Carneiro (PSD-RJ), Maria do Rosário (PT-RS), Juliana Cardoso (PT-SP) e da Senadora Eliziane Gama (PSD-MA), vem, por meio desta, expressar seu veemente repúdio e manifestar profunda preocupação diante da recente decisão prolatada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Tal decisão, adotada por maioria de votos, concluiu pela inexistência de crime de estupro de vulnerável na conjunção carnal entre um indivíduo de 20 anos de idade e uma criança de 12 anos, a qual resultou em gestação.
Tal entendimento contraria de forma expressa os preceitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, que fixa a idade mínima de 14 anos para a validade do consentimento sexual, alinhando-se, ademais, aos compromissos internacionais assumidos pela República Federativa do Brasil na tutela dos direitos infantojuvenis. A figura do crime de estupro contra vulnerável é descrita no artigo 217-A, criado pela Lei 12.015/2009, que veda a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos.
A fixação de um limiar etário para o consentimento sexual constitui medida de proteção essencial, visando salvaguardar o público infantojuvenil contra abusos e explorações de natureza sexual, reconhecendo sua condição peculiar de desenvolvimento e a consequente incapacidade de consentimento válido para atos dessa complexidade.
A argumentação prevalente na 5ª Turma do STJ, de que situações “excepcionalíssimas” poderiam justificar a mitigação do princípio da proteção integral da prioridade absoluta, assegurada pelo artigo 227, da Carta Política de 1988, configura um precedente de extrema gravidade e representa um retrocesso inadmissível, colocando em discussão a segurança e o bem-estar psicossocial de nossas crianças e adolescentes. A alegação de que a constituição de “união estável” ou a prestação de assistência paterna subsequente possam, de alguma maneira, atenuar a gravidade do ato de estupro de vulnerável ignora os danos profundos e permanentes infligidos à vítima.
Registra-se o louvável posicionamento da Ministra Daniela Teixeira, única voz feminina no colegiado julgador, e do Ministro Messod Azulay Neto, que defenderam a não relativização das balizas legais estabelecidas para a salvaguarda integral dos direitos das crianças e adolescentes. A potencial interpretação do sistema jurídico de forma a relativizar ou minimizar a gravidade do abuso sexual infantojuvenil constitui uma afronta inaceitável.
A decisão em comento não apenas desprotege a vítima no caso específico, mas também sinaliza uma permissividade perigosa para com potenciais agressores em território nacional, comprometendo os esforços envidados por inúmeras entidades e pela sociedade civil organizada na prevenção e resposta às violências, no caso em tela, à violência sexual, apartando-se dos princípios de justiça e tutela que devem nortear a atuação das instituições judiciárias.
Por tais razões, a Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente reitera seu incondicional compromisso com a defesa dos direitos e da dignidade de todas as crianças e adolescentes brasileiros. Reivindica-se, portanto, a adoção de providências cabíveis para a revisão da referida decisão, assegurando-se a estrita observância das disposições legais e a proteção integral contra toda forma de abuso ou exploração sexual.
DEPUTADA SÂMIA BOMFIM
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança
e do Adolescente
DEPUTADA LAURA CARNEIRO
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança
e do Adolescente
DEPUTADA MARIA DO ROSÁRIO
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança
e do Adolescente
DEPUTADA JULIANA CARDOSO
Coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança
e do Adolescente
DEPUTADA ANA PAULA LIMA
Secretária da Primeira Infância, Infância, Adolescência e Juventude da Câmara dos
Deputados
Organizações da sociedade civil que assinam esta nota:
Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes
Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra crianças e adolescentes
ANDI – Comunicação e Direitos
Instituto Alana
Agenda 227
FUNDAÇÃO ABRINQ
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Instituto Jô Clemente
MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos
Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ
Plan International Brasil
Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA)
AMSK/Brasil
Coletâncias
Círculo Operário Leopoldense
EDUCAÇÃO PROTEGIDA
ACARI – Associação Civil de Articulação para a Cidadania
Movimento Popular de Saúde Capela do Socorro
Ficar de Bem
ASBRAD
ASSOCIAÇÃO PROJETO LOCAL DE ENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
Avante – Educação e Mobilização Social
Sind ute / Conselho da Mulher de SL
Ficar de Bem
ANCED
Futuro Brilhante
CMDCA – CAMPOS DO JORDÃO
Coletivo Mães na Luta
GIRAL/CEDCA-PE
Obra Social São Luis
Escoteiros do Brasil
Fenapestalozzi
Cáritas Diocesana
Coletivo Luta
Movimento Infância Plena
MATRIA – Mulheres associadas, mães e trabalhadoras do Brasil
Coletivo Raízes Feministas Brasil
ANGAAD
Coletiva Sociedade Matriarcal (SO.MA)
Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna
Movimento Joanna Marcenal pela revogação da Lei de Alienação Parental
Projeto Não me toca seu boboca! – Literatura e Proteção
CEIIAS – Centro de Estudos Integrados, Infância, Adolescência e Saúde
Rede Não Bata, Eduque
ONG Minha Criança Trans
AMSK-AL
ONG Prematuridade.com
OrganizaMulheRio