Sem baixar a guarda: Sâmia se destaca como uma das principais opositoras ao PL do Estuprador
Referência na luta feminista, deputada participou de atos em São Paulo e na Câmara, encabeçou ações legislativas, lançou petição que se aproxima de 200 mil assinaturas e forçou recuo da extrema-direita
21 jun 2024, 23:16 Tempo de leitura: 6 minutos, 28 segundosA deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) segue na luta contra o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que quer equiparar o aborto ao homicídio e criminalizar as vítimas de estupro com o dobro da pena prevista aos violadores. No sábado (15), ela esteve presente no grande ato que ocorreu na Avenida Paulista e também lançou a petição “Arquiva, Lira!”, que já chegou à marca de 190 mil assinaturas. Ao longo da semana, encabeçou um requerimento pedindo a devolução da proposta ao autor, recebeu coletivos de mulheres e participou de manifestações dentro e fora da Câmara. A imprensa tem reconhecido sua atuação à frente do debate, atribuindo à parlamentar papel decisivo na mobilização social, na guinada da opinião pública e nos sinais de recuo que vem sendo dados pelo presidente da Casa.
Na rua e na internet
O Correio Braziliense, na segunda (17), destacou que o último fim de semana ficou marcado por protestos contra o PL. O jornal conta que protestos ocorreram em todo o país, mas foi a cidade de São Paulo que registrou a maior concentração. Milhares de pessoas, convocadas por mais de 60 grupos envolvidos com os direitos da mulher, caminharam pela Avenida Paulista ao lado de políticos, ativistas e personalidades. A presença de Sâmia esteve entre as principais, assim como a repercussão de sua avaliação otimista sobre o ato: “A força do movimento feminista na rua vai derrotar esse projeto maldito”.
“Não há remendo e não há melhoria possível num projeto que parte da premissa de criminalizar mulheres e meninas brasileiras. […] Não nos contentamos com falsas promessas, não acreditamos em nenhuma palavra dos parlamentares que propuseram esse PL criminoso. Só vamos parar quando esse projeto for definitivamente arquivado, […] seguimos na luta pelo aborto legal e seguro para todas!”
Já o Poder360 foi o primeiro a chamar atenção para o impacto causado pela petição online lançada pela deputada. O abaixo-assinado pedindo que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), arquive o PL Antiaborto atingiu mais de 100 mil assinaturas em apenas 24 horas, ressaltou o portal. Diante desse cenário, o UOL quis saber a opinião de Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor da proposta, que minimizou as críticas e protestos de quem ele chamou de “feministas abortivas”. A matéria trouxe o contraponto de Sâmia: “A cada dia fica mais evidente que é um projeto que ataca crianças vítimas de estupro […] Devemos seguir debatendo, ampliando a divulgação, para não entregar para a sociedade uma suposta vitória que não é”.
Resposta legislativa
Ainda na segunda, logo cedo, a GloboNews noticiou que o mandato da deputada articulava um requerimento de devolução do PL ao propositor. “Sâmia Bomfim vai pedir o arquivamento dessa proposta, enviando esse documento para a Mesa Diretora da Câmara. Qual é a base do argumento dela? É inconstitucional. […] A gente sabe que tem eleição municipal chegando, o esquenta também está forte em relação à sucessão do Lira na presidência e isso pode ser tirado da gaveta a qualquer momento. Então, o pedido do PSOL é para que o PL seja simplesmente arquivado diante da repercussão negativa tão grande e dos protestos durante o fim de semana”, anunciou a jornalista Marina Franceschini.
O requerimento de devolução foi protocolado em conjunto com Fernanda Melchionna (RS) e, posteriormente, subscrito por outros colegas de bancada: Luiza Erundina (SP), Glauber Braga (RJ), Erika Hilton (SP), Célia Xakriabá (MG), Pastor Henrique Vieira (RJ), Chico Alencar (RJ), Tarcísio Motta (RJ) e Talíria Petrone (RJ). Dois dias depois, a solicitação foi aprovado pela Comissão de Legislação Participativa (CLP) e ganhou manchete no Brasil de Fato. Ela tramita ainda na Comissão da Mulher (CMulher) e de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR).
Mulheres na Casa
Na quarta (19), uma das principais entradas da Câmara foi tomada por organizações convocadas pela campanha Criança Não é Mãe e o coletivo Juntas. Segundo o Congresso em Foco, um grupo de deputados bolsonaristas foi até o local para provocar as manifestantes, mas Sâmia Bomfim chegou em seguida e orientou as ativistas a não responderem as provocações. “Isso só mostra o desespero daqueles que não convenceram a sociedade brasileira de que é preciso retroceder nos direitos das mulheres. […] É um sinal de que estão acuados e não conseguem ter voto para aprovar essa atrocidade”.
“Dizem que querem buscar uma relatora de centro que possa conversar com os dois lados. Qual é a mulher digna, decente, que vai ter coragem de relatar um projeto que ataca direitos de crianças e mulheres? Essa tática de escolher mulheres para referendar retrocessos contra nós é histórica do patriarcado, conhecemos bem e não nos iludimos. […] O PL 1904 é o maior retrocesso para as mulheres em quase 100 anos, quer colocar as vítimas [de estupro] no banco dos réus, por isso, nós não vamos baixar a guarda!”
Do lado de dentro, com o cancelamento da sessão da CMulher por falta quórum – resultado de uma articulação para o esvaziamento do colegiado -, a parlamentar do PSOL convidou militantes feministas a ocuparem as cadeiras deixadas vagas pelas membras. Na sequência, somou-se ao grupo numa marcha pelos corredores do Anexo II da Câmara que empunhava cartazes e entoava palavras de ordem. No entanto, a Polícia Legislativa impediu que a manifestação espontânea prosseguisse pelo corredor Tereza de Benguela, que dá acesso ao Salão Verde, no Edifício Principal.
“Ato contra PL Antiaborto tem Lira como alvo e é bloqueado por Depol na Câmara”, estampou O Globo. A coluna assinada por Lauro Jardim relatou que os agentes justificaram, no local, ser apenas do presidente a prerrogativa de liberar a passagem do grupo de mulheres. Divulgou, ainda, um vídeo que mostra Sâmia dialogando com os policiais.
Incômodo e recuo
Nesta quinta (20), uma reportagem da Folha de S.Paulo disse que Lira já admitia o desgaste causado pelo PL do Aborto e estudava “por freio” em projetos ideológicos para focar na economia. A versão online contou “que o presidente da Câmara demonstrou contrariedade com publicações nas redes sociais feitas por parlamentares de esquerda associando o projeto de lei, com a alcunha de ‘PL do Estuprador’, a fotografias dele”. O trecho mencionado remete diretamente à arte usada para divulgação do abaixo-assinado nos canais de Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna.
Em entrevista ao vivo no canal do DCM, a deputada disse que o recuo de Arthur Lira foi uma conquista, porém, a bancada fundamentalista não sossegou. Ela alerta que aprovação do PL 1904 pode garantir “peso em dobro” nos votos para a escolha de quem o alagoano quer ver como seu sucessor na Mesa Diretora em 2025: “Se esse movimento colocou a esquerda novamente nas ruas, e eu acredito nisso, deve também nos ensinar que a gente não pode sair delas. […] E se o ataque voltar de forma fervorosa no fim do ano, a gente já aprendeu qual é o caminho para ter força de barrá-lo outra vez”.
Fotos: Rafael Giovannini (SP) e Leandro Rodrigues (DF)/ASCOM-Sâmia Bomfim