Audiência na Câmara defende mudanças no protocolo de Haia para brasileiras vítimas de violência no exterior

Atividade organizada por Sâmia expôs a realidade das mães que retornam ao seu país com seus filhos, fugindo da violência doméstica, e são acusadas de sequestro internacional

14 nov 2024, 11:52 Tempo de leitura: 4 minutos, 8 segundos
Audiência na Câmara defende mudanças no protocolo de Haia para brasileiras vítimas de violência no exterior

Com informações da Agência Câmara de Notícias

Debatedores defenderam, nesta quarta (13), mudanças na legislação para facilitar a retirada de crianças de seus países de origem nos casos de violência doméstica. Essa medida evita que, nesses casos, as mães que regressam com seus filhos ao Brasil sejam acusadas do crime de sequestro internacional. Eles foram ouvidos em audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, atendendo à solicitação da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

A Convenção de Haia, ratificada pelo Brasil em 2000, considera uma violação dos direitos de família e da criança a retirada de menores de seu país de residência sem a autorização de ambos os pais ou do guardião legal. O texto permite exceções nos casos de “situação de grave risco de ordem física e psíquica”. No entanto, como não há um parâmetro mundial para determinar o contexto de violência doméstica, a norma é interpretada de forma restrita com base na intensidade, frequência e natureza da violência.

Anterior à Lei Maria da Penha, o tratado determina, por exemplo, que o ônus da prova nos casos de violência cabe à vítima, observou a advogada Janaína Albuquerque, coordenadora jurídica da Revibra Europa, organização que apoia mulheres migrantes que sofrem violência doméstica e discriminação. Segundo ela, as vítimas também enfrentam xenofobia, dificuldades financeiras, preconceito por não falar a língua estrangeira e o risco de ser criminalizada. “A mulher corre o risco de ser presa, de ter que pagar uma multa, de perder a guarda imediatamente, de não ter acesso à criança”, disse.

“O Brasil, tendo as ferramentas, pode estar na linha de frente dessa mudança a nível internacional, porque lá fora estão tendo discussões, mas ainda há muita resistência”, complementou, ao defender a aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei (PL) 565/2022, já aprovado pela Câmara. A proposta estabelece que há risco quando o país estrangeiro não adota medidas efetivas para proteger a vítima e as crianças e adolescentes da violência doméstica.

A deputada Sâmia, que presidiu a audiência, é favorável à aprovação da medida. Na sua avaliação, o tratado precisa ser modernizado para refletir o atual cenário em que as mães retornam ao país natal com seus filhos fugindo da violência doméstica. “Durante os últimos 40 anos, a aplicação irrestrita desse tratado tem ignorado situações de violência doméstica contra mulheres brasileiras migrantes e seu impacto direto e indireto na vida de seus filhos”, afirmou.

Contribuição brasileira

Flavia Ribeiro Rocha, representante da Autoridade Central Administrativa Federal, órgão do Ministério da Justiça responsável pelo cumprimento de acordos internacionais, disse que o conceito de alto risco – presente no tratado – varia entre os países signatários, o que pode gerar incompatibilidades na aplicação do acordo. “Precisamos de mecanismos mais específicos para a convenção e cada vez mais sensíveis para a aplicação da convenção”, defendeu. Ela reforçou que o Brasil vai liderar fórum internacional sobre violência doméstica e pode contribuir com os avanços das leis domésticas que tratam do tema.

Na mesma linha, o procurador Boni Soares destacou que a Convenção é de uma época em que a violência doméstica era considerada um tabu. Ele defendeu reforma na legislação brasileira para incorporar o entendimento de que não é necessária a apresentação de provas para reparar danos morais decorrentes de violência doméstica. “A Lei Maria da Penha também pode ser aprimorada para estabelecer esses padrões de produção probatória em casos de violência doméstica em geral. Isso certamente iluminaria o judiciário brasileiro na compreensão da prova da violência doméstica nos casos de subtração internacional de menores”.

Mãe de Haia

Durante a audiência, Raquel Cantarelli, uma Mãe de Haia, como são chamadas as mulheres que perderam a guarda dos filhos após decisão judicial com base no tratado, disse que também foi prejudicada pela dificuldade de produzir provas para comprovar os crimes de cárcere privado e abuso sexual cometidos contra suas filhas pelo genitor na Irlanda. “Nossas vidas foram violadas por um erro judicial que não apenas nos afastou, mas também feriu profundamente os princípios de proteção e dignidade humana”, disse. Ela aguarda decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para recuperar a guarda de suas filhas.

Assista à íntegra da audiência pública:

Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados