Sâmia apoia marido, Glauber Braga, em greve de fome: “Não tem como dissociar a parlamentar da mulher e mãe do nosso filho”

Deputado do PSOL enfrenta processo de cassação de mandato e sua defesa alega que tentativa é desproporcional; Sâmia diz que cenário é de risco para a democracia

14 abr 2025, 19:45 Tempo de leitura: 8 minutos, 0 segundos
Sâmia apoia marido, Glauber Braga, em greve de fome: “Não tem como dissociar a parlamentar da mulher e mãe do nosso filho”

Entrevista publicada pela revista Marie Claire

Desde a última quarta-feira (9), quando o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou seu pedido de cassação por ampla maioria, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) está acampado no plenário onde ocorreu a votação. Neste período, quem atua como porta-voz é a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), sua colega de legislatura, de partido e também sua companheira há seis anos. Juntos, eles são pais de Hugo, de três anos e 10 meses.

“Não tem como dissociar a parlamentar da mulher e mãe do nosso filho. Eu estou tentando manter todas de pé e me dividir nas diferentes funções que eu preciso exercer neste momento, porque é uma necessidade política e pessoal, uma missão”, afirma Bomfim.

Em entrevista concedida a Marie Claire no sábado (12), Sâmia contou que o marido está “bem, dentro do possível” e sendo acompanhado por médicos voluntários. Neste domingo (13), Glauber chega ao fim quinto dia de greve; são mais de 110 horas sem se alimentar, consumindo apenas água e soro.

Glauber Braga enfrenta um processo de cassação em razão de um vídeo, feito em abril de 2024, em que o parlamentar aparece empurrando e expulsando da Câmara dos Deputados um integrante do MBL (Movimento Brasil Livre) identificado como Gabriel Costenaro.

Em sua defesa, Glauber afirma que aquela era a sétima vez que Costenaro ia até seu gabinete para provocá-lo e que, naquele dia, teria ofendido a mãe do deputado, que estava acamada e com Alzheimer avançado. Saudade Braga morreu dias depois do ocorrido.

“Vendo aquele vídeo, as pessoas podem pensar que ele é um deputado sem noção que coloca as pessoas para fora do Congresso, mas eu gostaria que as pessoas entendessem o contexto. Glauber estava passando por uma situação de estresse profundo, com a mãe internada em estado grave, quando essa pessoa passou de todos os limites e ele agiu daquela forma”, defende Sâmia Bomfim. “Ele agiu em legítima defesa porque também estava sendo agredido. Conhecendo o Glauber como eu conheço, a mãe é uma das coisas mais importantes da vida dele, além do nosso filho, claro”.

Logo após conceder entrevista à Marie Claire, Sâmia Bomfim acompanhou o marido em seu primeiro banho de sol desde que começou o protesto no plenário 5 do Anexo 2 da Câmara. “Glauber me disse hoje [sábado, 12 de abril] que vai até às últimas consequências para que essa injustiça se reverta”, fala a deputada.


A parlamentar compartilhou, ainda, como administra os papeis de deputada, ativista política, esposa e mãe, especialmente em meio a este cenário atribulado dos últimos dias. Em resumo: rede de apoio.

“Na minha vida normal eu já conto com uma rede de apoio grande, senão eu não consigo dar conta. Meu marido é do Rio de Janeiro, eu sou de São Paulo, e nós dois trabalhamos em Brasília. Temos um filho de três anos no meio dessa rotina. Nossa vida cotidiana já é muito pouco tradicional”.

Ela conta que o filho tem a infância preservada, apesar da função pública dos pais. “O Hugo é uma criança feliz, plena, vai à escola, brinca, faz tudo o que uma criança normal faz. A gente luta para fazer valer o direito à infância dele, cercá-lo de elementos lúdicos. Mas ele acaba viajando muito com a gente, vivendo em lugares diferentes, e está acostumado com o ambiente da Câmara.”

Sâmia conta que ele sente falta da presença do deputado. “Agora, durante esses dias de greve do Glauber, tem sido mais difícil, porque ele tem um pai muito presente, muito próximo, que não está dormindo em casa. Então estamos tentando construir uma narrativa lúdica, tentando tornar esse cenário bom para ele também. Ele tem vindo para a Câmara visitar o pai e brincar com ele. Na cabeça do Hugo, ele está indo para o trabalho dos pais, como qualquer outra criança, então ele acha a coisa mais legal do mundo. Mas, se essa situação se estender e o Glauber porventura começar a ficar debilitado, o que pode ser uma das consequências da greve de fome, é claro que vou poupar o nosso filho, deixar de trazê-lo aqui.”

“Cassação é risco para a democracia”

Sâmia Bomfim defende que, além de deixar o marido Glauber Braga sem mandato, o processo de cassação é um risco para a democracia brasileira. Isso porque, para ela, isso pode abrir um precedente para a cassação de outros deputados.

A tese do partido é de que a cassação foi movida não pelas imagens em que Glauber aparece expulsando Costenaro do Congresso, mas por uma perseguição à sua atuação política.

“Quem acompanha o Congresso sabe que todos os dias tem empurrão, xingamento e até soco na cara. Infelizmente isso é uma prática cotidiana por aqui. Mas nenhum desses casos – repito: nenhum – recebeu punição. Essa legislatura tem deputado denunciado por espancar a esposa, por praticar violência política e até deputado envolvido em golpe de Estado. Sem falar em casos absurdos de corrupção. E nada acontece com ninguém.”

“Tem muitos casos de violência política de gênero, por exemplo, que foram parar no Conselho de Ética – inclusive contra mim – que nem chegaram a ser apreciados; foram diretamente arquivados”.

Na última semana, o jornal O Globo mostrou, por exemplo, que o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), que foi favorável à cassação de Glauber Braga, já agrediu um visitante dentro da Câmara dos Deputados. O episódio ocorreu em 2001, contra o escritor Maneca Muniz, autor de um livro sobre o então senador Antônio Carlos Magalhães, tio de Paulo Magalhães. A confusão não recebeu nenhum tipo de punição e, atualmente, Paulo Magalhães exerce seu sétimo mandato no Congresso.

“Se for cassar mandato por agressão, metade da Câmara vai ter que ir embora”, fala Sâmia. “O Glauber está com essa corda no pescoço porque ele foi o principal nome a denunciar o orçamento secreto. É um esquema que começou durante o governo Bolsonaro, mas que foi operado sobretudo pelo então presidente da Câmara, o senhor Artur Lira, para movimentar bilhões de reais de orçamento público sem nenhum tipo de transparência.”

A deputada também lembra que não houve a mesma celeridade para outros pedidos de cassação que seguem parados no Conselho de Ética. “Enquanto isso, o processo do Chiquinho Brazão, acusado de mandar matar Marielle Franco, está há mais de um ano parado na mesa diretora do Congresso. Eu estranharia muito se o rito de cassação do mandato do Glauber corresse mais rápido que cassação do Chiquinho Brazão, que teve uma conduta definitivamente mais grave; aliás, sem nenhum grau de comparação. Se isso acontecer, vai escancarar a perseguição política que estamos sofrendo.”

Apesar de a presidente do PSOL, Paula Coradi (ES), ter se manifestado algumas vezes em apoio a Glauber Braga, nomes importantes do partido se mantiveram em silêncio até agora ou fizeram menções discretas à cassação do colega. É o caso dos deputados federais Guilherme Boulos e Érika Hilton, os dois mais bem votados do partido nas eleições de 2022.

Sâmia Bomfim diz que o partido está empenhado no apoio a Glauber Braga, mas que esse apoio veio “talvez um pouco tarde”. “A compreensão da gravidade dos fatos se deu apenas quando foi votada a cassação, na última quarta-feira. Mas eu creio que ainda há tempo de reverter todo esse atraso”, diz.

“Nós temos muitas diferenças dentro do PSOL, mas a unidade partidária vem em primeiro lugar. Primeiro porque as pessoas são solidárias, segundo porque têm compreensão política de que uma eventual cassação é um precedente perigoso, especialmente para a esquerda, que tem esse perfil de combatividade, de denúncia da corrupção, de enfrentamento ao poder estabelecido.”

Agora, Glauber Braga vai apresentar um recurso à Comissão de Constituição e Justiça na tentativa de reverter a votação do Conselho de Ética. Se este recurso for rejeitado, a cassação será votada no plenário da Câmara dos Deputados, que precisará de 257 votos (maioria absoluta) para aprovar o pedido de cassação e interromper o mandato; o parlamentar também corre o risco de ficar inelegível por até oito anos. Mas, se esse número de votos não for alcançado, o caso será arquivado e o parlamentar permanecerá com o mandato.

Questionada sobre as expectativas de vitória em uma eventual votação em plenário, Sâmia Bomfim diz que, por lógica, se mantém a correlação de forças do Conselho de Ética, que decidiu pela cassação por 13 votos a 5. Mas mantém as esperanças: “Tenho expectativa que a gente consiga conversar com outras lideranças para que essa situação acabe da forma menos danosa para o Glauber, mas também para a Câmara e para a democracia. Quero crer que a boa política prevaleça e que a gente encontre uma alternativa para o fim dessa injustiça”.

Fotos: Leandro Rodrigues/ASCOM-Sâmia Bomfim, em cortesia para Marie Claire