Juízas e desembargador que negaram aborto a menina vítima de estupro serão investigados pelo CNJ
Sâmia exigiu ao Conselho que expedisse diretriz para garantir o cumprimento do Código Penal, que prevê a interrupção da gestação em casos de violência
22 dez 2023, 17:55 Tempo de leitura: 2 minutos, 40 segundosEm decisão unânime, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a instauração de um inquérito administrativo contra duas juízas e o desembargador que atuaram no caso da menina de 12 anos grávida pela segunda vez após recorrentes estupros e que teve o pedido de aborto negado, mesmo este sendo um direito garantido pelo Código Penal às vítima de violência sexual desde 1940. O crime, ocorrido no Piauí, veio à tona em 30 de janeiro de 2023 por meio do Portal Catarinas e do The Intercept Brasil, que revelaram a nomeação de uma defensora pública para advogar a favor do feto. Quando soube da denúncia, deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) protocolou um ofício exigindo providências do órgão.
O corregedor Luis Felipe Salomão, relator do caso, analisou as condutas das juízas Maria Luiza de Moura Mello e Elfrida Costa Belleza, titulares de varas da Infância e Juventude de Teresina, e do desembargador José James Gomes Pereira, do Tribunal de Justiça do Piauí. A decisão pela abertura da investigação sustenta que a manutenção da gestação foi marcada por uma série de negligências em relação à criança, omissão na concretização do direito ao aborto legal e perpetuação do sofrimento da menina.
Na época da reportagem, Sâmia requisitou à ministra Rosa Weber, então presidenta do CNJ, que uma diretriz fosse expedida para impedir que esse tipo de defesa seja realizado em processos judiciais. “A figura jurídica do nascituro não existe no Brasil. Tentam defender a tese, mas é inexistente. Nomear defensor para o feto é ilegal e desrespeita o direito de acesso ao aborto legal, como é caso do estupro”, explicou a deputada no ofício.
Sâmia relatou ainda que a criança vinha sendo “submetida permanentemente a violência psicológica decorrente do crime que sofreu e dos abusos institucionais do qual também vem sendo vítima”. Em seu ofício, ela ressaltou que “permitir que nascituro tenha representação legal como se sujeito de direito fosse, para além de absolutamente ilegal, leva a colisão de direitos tal qual a observada no caso em tela”.
Para a advogada e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Amanda Nunes, a decisão serve como um alerta de que o Judiciário não pode mais seguir impondo barreiras de acesso ao aborto legal. “Como defensoras de direitos humanos, temos observado que o Judiciário, em muitos casos, se recusa a reconhecer o aborto como um procedimento de saúde importante para a dignidade de meninas, mulheres e pessoas gestantes, fixando limites não previstos em lei, desconsiderando a autonomia delas ou utilizando de institutos legais e processuais para postergar e subjugar o acesso”, apontou.
Ao determinar a abertura do inquérito, Salomão reforçou que a realização do aborto não requer autorização judicial quando se enquadra nos casos em que é legal no país, como violência sexual, risco à vida da gestante e feto anencéfalo. Ele reiterou que, nesses casos, o atendimento médico e psicológico deve ocorrer de forma mais breve possível.