A fiscalização ambiental corre grave perigo
Desmonte do ICMBio, IBAMA e reestruturação do CONAMA causam desestruturação da fiscalização ambiental.
31 mar 2019, 14:02 Tempo de leitura: 5 minutos, 26 segundosPor Marcela Durante – bióloga
Foi nesta última quarta-feira, dia 27 de março, que o Observatório do Clima divulgou dois documentos relativos ao projeto de reestruturação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
Órgão criado em 1982 pela Lei n º 6.938/81 que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente -, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) é o órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA. O SISNAMA é a estrutura adotada para a gestão ambiental no Brasil, sendo formado pelos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios responsáveis pela proteção, melhoria e recuperação da qualidade ambiental no Brasil, e tem a seguinte estrutura: (1) Órgão Superior, o Conselho de Governo; (2) Órgão Consultivo e Deliberativo: o CONAMA; (3) Órgão Central: MMA; (4) Órgão Executor: O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; (5) Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; (6) Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições. A atuação do SISNAMA se dá mediante articulação coordenada dos Órgãos e entidades que o constituem, observando o acesso da opinião pública às informações relativas as agressões ao meio ambiente e às ações de proteção ambiental, na forma estabelecida pelo CONAMA.
Com relação ao primeiro documento divulgado nessa semana “Notas sobre o Sisnama e sobre a Estrutura do Ibama”, foi produzido pelo advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro e entregue a Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Territorial que chegou a ser cotado para assumir o MMA. O segundo documento, “Proposta Equipe de Transição SISNAMA-MMA”, foi publicado como nome de Miranda e de dez pessoas pertencentes à sua equipe, dentre eles Ricardo Salles – que viria ser nomeado ministro do Meio Ambiente – o Pinheiro Pedro, o atual presidente do Ibama, Eduardo Bim, o procurador do Estado de Goiás Ronald Bicca, denunciado por envolvimento com Carlinhos Cachoeira, Rose Hofmann, atual secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e José Truda Palazzo Jr, indicado para assumir a Secretaria de Biodiversidade do MMA. Vale lembrar que ambos os documentos já foram produzidos no final do ano passado, durante a transição para o governo Bolsonaro, por um grupo criado pelo próprio Evaristo de Miranda, apontando para problemas na atual estrutura do Sisnama e sugerem possíveis soluções. Pedro Pinheiro, por exemplo, afirma que o Conama é “inchado” e tem uma “composição de natureza política”, atuando “emocionalmente, sem a devida técnica”. Ele afirma também que o caminho é alterar o conselho por decreto, reduzindo o Plenário a um pequeno número de conselheiros nomeados pelo Executivo.
Referente à estrutura da governança ambiental, os documentos traziam taambém sugestões que foram implementadas logo após a posse de Jair Bolsonaro, demonstrando afinidade entre as ideias de Miranda e a atual gestão. Dentre as sugestões acatadas estão a extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas e do Comitê Gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, assim como a absorção do Serviço Florestal Brasileiro pelo Ministério da Agricultura.
Apesar de serem datados do ano passado, os documentos também trazem algumas novidades, como as propostas de fusão do Ibama – responsável pela fiscalização e proteção do meio ambiente – e do ICMBio – responsável por gerir e proteger as unidades de conservação – através de uma medida provisória. O grupo de Miranda também defende ‘reduzir a interferência federal na fiscalização”, com Ibama atuando “supletivamente” aos órgãos estaduais, demonstrando completo desmonte da fiscalização federal e da política de combate à mudanças climáticas, além do esvaziamento dos conselhos.
Esses documentos foram divulgados pelo Observatório do Clima uma semana após a primeira reunião do Conama presidida pelo ministro Ricardo Salles, que foi marcada por constrangimentos e confusões. Na página da ONG Mira-Serra no Facebook, a bióloga Lisiane Becker relata que um conselheiro suplente foi agredido fisicamente por seguranças.
Após a reunião, 165 entidades não governamentais divulgaram um manifesto contra a forma como vem sendo operada a reformulação do Conama: em prazo exíguo, de forma autoritária e sem discussão alguma com a sociedade. A carta se refere ao ofício enviado no dia 8 de março pelo Ministro-Chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao colega Ricardo Salles. Lorenzoni lista todos órgãos colegiados do MMA, entre eles o Conama, e pede que seja analisada a possibilidade de sua extinção, adequação ou fusão. O ofício deu prazo até quinta-feira passada, 28 de março, para que a análise fosse concluída.
Essas medidas vem trazendo indignação e preocupação a muitos ativistas, especialistas, técnicos e acadêmicos da área socioambiental, uma vez que essas decisões acirram mais os conflitos existentes na área ambiental e social. Em relato, Adriana Ramos, associada do Instituto Socioambiental (ISA), afirma que o Conama é um dos conselhos mais antigos do Brasil e tem sido responsável por toda a regulamentação da política ambiental no País. Para Ramos, sua característica mais importante é reunir representantes dos governos federal e estaduais, do setor privado, da agricultura e da sociedade civil: “Ao desconsiderar esse papel do Conama e achar que pode-se fazer essas discussões e decisões em instâncias centralizadas, […] acabam diminuindo os espaços de solução de conflito. E as maiores críticas que residem na área ambiental são exatamente de que você tem mediar os conflitos entre diferentes áreas”.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, destaca que ainda não há nenhuma informação sobre como será tratada a agenda de mudanças climáticas no Brasil nem sobre qual será a participação de cada órgão do governo em relação ao tema, mostrando a aversão e o desconhecimento do atual presidente eleito sobre esse tema tão caro a todos nós, a nível nacional e internacional.