Comissão da Câmara dos Deputados debate privatização do sistema prisional
Audiência pública foi convocada por Glauber Braga, Fernanda Melchionna e Sâmia Bomfim, que criticam decreto do governo que regulamenta o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI)
20 jun 2024, 18:01 Tempo de leitura: 4 minutos, 42 segundosTexto original publicado pelo Brasil de Fato
A Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados realizou nesta quarta (19) uma audiência pública sobre a privatização do sistema prisional. O debate foi convocado pelos deputados Glauber Braga (PSOL-RJ), Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
Em 2023, o governo federal editou um decreto que regulamentou o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), que incluiu o sistema prisional. O decreto 11.498 autoriza a emissão das chamadas debêntures, títulos de dívida que geram um direito de crédito ao investidor e que permite que empresas captem recursos no mercado de capitais para a construção de unidades prisionais.
O deputado Glauber Braga, que presidiu a sessão, criticou a ausência de representação dos ministérios da Fazenda e Casa Civil, convidados para a audiência. “É uma pena, ou seja, porque eu, sinceramente, queria ouvir os argumentos. Porque o debate tem que ser exposto, até para a gente enfrentar os argumentos”, afirmou.
Fortalecimento das organizações criminosas
O Coordenador de Projetos da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rafael Moreira da Silva de Oliveira, disse que “o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem se posicionado de maneira contrária à política de debêntures incentivadas para incentivo a obra de infraestrutura nas unidades prisionais”. E ressaltou o risco de a medida fortalecer o controle das organizações criminosas dentro dos presídios.
“O Ministério da Justiça deveria estar aqui também, porque o Ministério da Justiça deveria explicar para a gente e seria muito, muito importante, seria muito útil, que eles explicassem como explicaram para outros membros do governo, como que tem funcionado a dinâmica do crime organizado em se especializar nas licitações e concessões públicas”, destacou.
“Nós abriremos porta para um setor em que eles estão se especializando em burlar”, completou.
Renúncia do papel do Estado
Por sua vez, Roberta Esteves, vice-presidente da Associação Nacional da Polícia Penal Federal, destacou decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a que considerou inconstitucional, em 2023, uma lei maranhense que dispunha sobre a contratação de pessoal no âmbito do sistema penitenciário na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7098. Segundo a decisão, o quadro das polícias penais deve ser preenchido exclusivamente por concurso público.
“Privatizar significa a renúncia do Estado brasileiro a uma importante fonte de informação da Segurança Pública que a inteligência penitenciária e nós sabemos que hoje informação é fundamental”, disse, ressaltando o caráter estratégico da atividade para o enfrentamento ao crime organizado.
Na mesma linha, deputada Érika Kokai (PT-DF) também criticou a medida, que isenta o Estado da responsabilidade sobre as pessoas privadas de liberdade. “A privatização é como se o Estado estivesse desistindo, e não pode desistir. Mas desistindo a partir de interesses, porque é uma desistência que vai representar lucro para determinados setores”, disse.
População negra e a garantia de direitos
Thaisi Bauer, secretária-executiva da Coalizão pela Socioeducação, foi enfática ao dizer que o decreto obedece a uma lógica de favorecimento do setor privado para a obtenção de lucros sobre serviços que deveriam permanecer públicos:
“A implementação das parcerias público-privadas no sistema prisional e no sistema socioeducativo nada mais é do que a tentativa de desqualificar tudo o que é público, atrelando à ineficiência, e pauta iniciativa privada como eficiente, colocando os direitos humanos da adolescência da juventude brasileira, sobretudo negras e pobres, como meras mercadorias”.
“Importante sinalizar que não existe qualquer pesquisa e evidência de que a transferência da gestão para o setor privado acarrete economia de gastos e melhorias e de unidades”, completou.
Isadora Salomão, relatora de Direitos Humanos da Plataforma DHESCA e coordenadora de Justiça e Direitos Humanos do Movimento Negro Unificado da Bahia, alertou que o decreto do Executivo fortalece a política de encarceramento em massa, que atinge sobretudo a população negra do país.
“Eu faço parte de um estado onde 93% dos presos são negros, e isso não é pouca coisa. Isso tem a ver com um debate que nós precisamos fazer em relação a privatização dos presídios. Porque falar sobre isso tem a ver com falar sobre o destino da população negra do nosso país”, afirmou
Prejuízos aos trabalhadores
A deputada Sâmia Bomfim destacou os prejuízos da medida para os trabalhadores do sistema prisional.
“Ele [o decreto] diz respeito a uma reconfiguração de como a sociedade vê o próprio tema da segurança pública. Porque isso tem um impacto não só para os apenados, mas para os trabalhadores desse sistema, que é algo que é importante de ser destacado. Porque aumenta a fragilização das relações de trabalho, a periculosidade, e inclusive torna ainda mais frágil e mais difícil a situação desses trabalhadores”, destacou.
O Ministério da Casa Civil informou que o ministro Rui Costa cumpre agenda nesta quarta-feira (19) no Rio de Janeiro, com o presidente da República, mas não esclareceu o motivo de não haver enviado representante ao debate. O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Fazenda e questionou sobre a ausência na audiência, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestações.