Cratod fica: servidores do antigo centro de referência divulgam carta aberta contra desmonte de Tarcísio
Governador transferiu funcionários sem aviso prévio, rebatizou unidade como “Hub” e privatizou o atendimento para uma organização que acumula condenações por assédio moral e suspeitas de superfaturamento.
13 abr 2023, 21:34 Tempo de leitura: 4 minutos, 27 segundosÍntegra da carta aberta dos servidores do Cratod:
CRATOD FICA! Por políticas públicas antimanicomiais e antiproibicionistas! Contra a privatização da saúde!
A todos que conhecem ou sofrem, direta ou indiretamente, com alguém ou algum familiar em sofrimento mental devido ao uso de drogas, leia com atenção o que era e o que está por vir na política pública sobre o tema no estado de São Paulo.
O Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (CRATOD) foi criado via decreto no ano de 2002. Vinculado à Secretaria Estadual de Saúde, seu objetivo era o de ofertar atendimento especializado e com equipe multidisciplinar às pessoas usuárias de substâncias psicoativas. Em seus 20 anos de existência, tem oferecido cuidado à população da região central, principalmente pessoas em situação de rua, que são os maiores frequentadores do serviço.
Além da assistência ofertada à população usuária e suas famílias, o CRATOD também se constituía como um serviço voltado à produção de conhecimento e desenvolvimento de tecnologias de cuidado, além de ações comunitárias em diferentes lugares e espaços sociais na cidade e na Grande São Paulo, com objetivo de realizar intervenções breves e direcionamentos para serviços de saúde. Construía indicadores e informações dos atendimentos para que fossem provocadas, dentro da equipe, ações estratégicas de promoção em saúde, bem como a elaboração de dados para embasar políticas públicas.
Estabelecemos uma rede intersetorial de cuidados com diferentes serviços na região central de São Paulo, ligados a diversas secretarias (Centros de Acolhimento, UBS, Consultório na Rua, Centros de Convivência, equipes de abordagem, entre outros) e organizações sociais não-governamentais. Referência técnica de tabagismo no estado, é onde funcionava a coordenadoria do Programa Estadual do Controle do Tabagismo (PECT), responsável pela capacitação de profissionais de saúde de diversos municípios e reconhecida por potencializar a lei do ambiente livre de tabaco.
O CRATOD passou por uma grande transformação em 2013, a partir do programa “Recomeço: Uma nova Vida Sem Drogas”, que validou a internação hospitalar como uma estratégia de tratamento e favoreceu o encaminhamento para comunidades terapêuticas em São Paulo, contrariando a conduta e protocolo das equipes de trabalho. Os usuários foram encaminhados para diferentes municípios e, por falta de recursos voltados à moradia e maior carência do público-alvo, grande parte retornou à situação de rua, tornando a internação uma “porta giratória” pouco resolutiva e ineficaz.
O atual governo, embora tente apresentar uma narrativa de diálogo com especialistas, desrespeita o conhecimento adquirido ao longo de 20 anos pela equipe do serviço, negando sistematicamente os avanços das políticas de redução de danos que respeitam os direitos humanos. Além disso, apresenta continuamente os mesmos erros, focando em uma conduta higienista do território central da cidade de São Paulo e não em um tratamento integral, territorializado, comunitário e humanizado, apelando ao senso comum sem consultar os trabalhadores o acúmulo de conhecimento adquirido por eles nesses anos, dando outro rumo à política pública de álcool e drogas. Na última semana, servidores públicos concursados e estatutários foram expulsos e impedidos de estar em seu local de trabalho, comprometendo importantes processos terapêuticos de vinculação e cuidado de longo prazo.
O governador está propondo um novo nome para o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, que passará a se chamar “Hub” de Cuidados em Crack e Outras Drogas. Não é apenas o nome que irá mudar, mas a lógica de tratamento, que será pior e terá seu foco em internações hospitalares e em comunidades terapêuticas, moradia monitorada e casas de passagem, triplicando o repasse financeiro (cerca de R$ 4 milhões por mês) para o organização social de saúde SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. Essa OSS tem como presidente Ronaldo Laranjeira, um defensor da abstinência e de uma política proibicionista. De forma truculenta e arbitrária, os trabalhadores que contribuíram com o funcionamento do serviço foram desconsiderados em seus anos de experiência e conhecimentos adquiridos com a prática e teoria.
Entendemos a importância de efetivarmos políticas públicas de Estado, não políticas de governo que se forjam por figuras com viés partidário e ideológico, sem nenhum conhecimento técnico, e retirando profissionais com longa experiência e vínculos com a população atendida, despotencializando o serviço público, instituindo uma lógica privatista e gerencialista e dando a falsa ideia de melhoria do serviço ofertado.
Por essas razões, defendemos a importância do CRATOD FICA, com a permanência das trabalhadoras e dos trabalhadores e início de um processo de refundação do Centro no sentido de torná-lo um serviço que acolha as populações – como a da chamada “cracolândia” – de maneira eficiente, respeitosa e alinhada com a redução de danos à luz dos direitos humanos, através de políticas públicas antimanicomiais e antiproibicionistas!