- Meio ambiente
Só piora a crise no Ministério do Meio Ambiente
Presidente do ICMBio pede demissão e a crise se acelera no Ministério do Meio Ambiente.
Por Bruno Teixeira, engenheiro ambiental
O governo Bolsonaro e o Ministro do Meio Ambiente colecionam episódios de ataque à política ambiental e aos servidores públicos da área desde o início do ano, mas o caso da última semana envolvendo um discurso do ministro Ricardo Salles em tom de ameaça aos servidores do ICMBio durante evento no Rio Grande do Sul fez a crise no ministério atingir outras proporções, culminando com o pedido de demissão do presidente do Instituto, Adalberto Eberhard.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, criado em 2007 durante o Governo Lula a partir de uma divisão do IBAMA, é uma das autarquias federais ligadas ao Ministério do Meio Ambiente, sendo responsável pela gestão de 334 Unidades de Conservação federais espalhadas por todas as regiões do país, entre parques nacionais, reservas extrativistas e áreas de proteção ambiental.
No sábado, 13, durante evento no Rio Grande do Sul, diante de um público formado por políticos ligados ao agronegócio e à comunidade local de produtores rurais e pescadores, o ministro questionou a ausência dos servidores da unidade do ICMBio existente na região, afirmando que isso seria um desrespeito à sua própria pessoa e ao presidente do órgão, que também estava no palco. Em seguida, respondendo aos aplausos e manifestações de aprovação vindos do público presente, determinou a abertura de processo administrativo contra todos os funcionários do Instituto.
Após sofrer pressão durante todo o final de semana e ser questionado sobre sua participação na condução desses processos administrativos disciplinares, o presidente do ICMBio apresentou na segunda-feira, 15, sua carta de demissão. “Por motivos pessoais, venho solicitar a minha exoneração do cargo de presidente deste instituto. Agradeço a oportunidade e toda a confiança em mim depositada”, escreveu Adalberto Eberhard ao ministro Ricardo Salles.
Em resposta a esses eventos, a Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente – ASCEMA lançou na quarta-feira, 17, uma carta aberta à sociedade para demonstrar a preocupação e indignação com relação aos ataques do ministro contra os servidores do órgão. A carta apresenta uma série de dados que demonstram o avanço na qualidade do serviço prestado pela instituição, destacando que os programas desenvolvidos atingem “cerca de 160 mil famílias de comunidades tradicionais, ou cerca de 600 mil brasileiros”. A Associação afirma ainda que o ministro “foi ardiloso, falacioso e grosseiro com os servidores do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, repreendendo-os em público pela ausência em um evento que não constava na agenda e para o qual não os convidara e os ameaçando de processo para delírio da plateia de interessados no uso direto da área atualmente protegida pelo parque”.
Apesar da gravidade da situação, os recentes retrocessos na área ambiental não param por aí e apontam para um cenário de grave crise em uma pasta que, apesar da sua indiscutível importância, já sofre com a falta de estrutura e de protagonismo político na Esplanada dos Ministérios.
Desde a descoberta da alarmante proposta de reestruturação do Ministério do Meio Ambiente, preparada pelo governo de transição no final do ano passado e revelada pelo Observatório do Clima no final de março (ver matéria publicada neste portal – A fiscalização ambiental corre grave perigo), o governo Bolsonaro colecionou mais uma série de medidas e discursos controversos.
Ainda no dia 17, quarta-feira, durante audiência com representantes indígenas no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar os órgãos ambientais, disparando dessa vez contra o IBAMA, FUNAI e ONGs ambientalistas. Dentre outras coisas, o presidente defendeu que os povos indígenas tenham autonomia sobre as terras e direito de explorá-la tanto em atividades agrícolas quanto em mineração e não ficar na mão desses órgãos. No entanto, sabe-se que a posição do governo é contrária ao fortalecimento dos mecanismos de participação social em processos decisórios. Tanto que o presidente determinou, através de decreto publicado na semana passada, a extinção de diversos conselhos de políticas públicas.
Também na semana passada, o presidente do IBAMA ignorou parecer técnico dos servidores do órgão que indicava o veto à concessão de áreas ambientalmente sensíveis para exploração de petróleo e encaminhou a concordância do órgão com relação à proposta da Agência Nacional de Petróleo. Dentre as áreas que haviam sido vetadas pelos técnicos, encontram-se áreas próximas ao complexo de Abrolhos, na Bahia, cujo parque marinho abriga a maior biodiversidade do Atlântico Sul, e que poderia ser afetada em caso de um vazamento de óleo.
No dia 11, quinta-feira, conforme já havia sido anunciado, o governo lançou um decreto que altera o processo de julgamento das multas ambientais aplicadas pelos órgãos federais. Com o decreto, passa a existir um núcleo e audiências de conciliação, onde o autuado conquista um novo espaço e condições melhores para negociar o pagamento da multa com o órgão ambiental. Além disso, essa nova normativa indica que todos os prazos de julgamento dessas multas devem ser paralisados até que seja feita a avaliação pelo novo núcleo de conciliação. Em um cenário em que o índice de pagamento de multas ambientais aplicadas pelo IBAMA já é baixíssimo, em torno de apenas 5%, na prática essa medida pode significar o fim do poder de polícia ambiental desses órgãos e aumentar o grau de impunidade dos crimes cometidos contra o meio ambiente.
A sucessão de episódios polêmicos e a velocidade com que eles se sucedem demonstram o grau da crise instalada no Ministério do Meio Ambiente. Uma crise que resulta do embate entre um projeto de desmonte da gestão ambiental federal e a resistência dos servidores e demais trabalhadores, pesquisadores, estudantes e comunidades tradicionais. Fica cada dia mais evidente que o projeto que está posto na área de meio ambiente é a destruição do arcabouço de política pública ambiental que construímos nos últimos 30 anos.