Sâmia Bomfim

  • direitos humanos

A TODO POVO QUE LUTA - O Jaraguá é Guarani!

São Paulo está em guerra contra seus indígenas. Qualquer tentativa de reintegração de posse advinda da revogação da demarcação das terras enfrentará resistência.

Por Louise Oliveira e Marcela Durante* 

Embora nem todo mundo saiba, São Paulo é um estado que abriga milhares de indígenas, tanto no interior quanto na capital. Segundo o Censo de 2010, a população indígena de São Paulo é de 41.794 habitantes, sendo que 37.915 vivem no espaço urbano. Um dos locais na capital onde há uma forte presença dessas comunidades tradicionais é o Parque Estadual do Jaraguá. Com área de 492, 68 hectares, o Parque Estadual do Jaraguá (PEJ) é um parque urbano localizado a noroeste da Região Metropolitana de São Paulo, sendo bastante conhecido por ser uma área de lazer importante para a população da região. O que não costuma ser muito abordado acerca do PEJ é que, além de constituir um dos últimos espaços remanescentes de Mata Atlântica da cidade, o Jaraguá também foi cenário de exploração de escravos desde o início de sua atividade mineradora no século XVI, mas também nos dias de hoje com a invisibilização da comunidade Guarani que vive em condições precárias nos arredores do parque.

Nas margens da estrada turística do Jaraguá, que dá acesso ao famoso pico, encontra-se a Terra Indígena Jaraguá, sob responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), onde indígenas da etnia Guarani M’bya sofrem constantemente com o descaso e falta de assistência por parte do poder público. Falta saneamento básico e energia elétrica. Sobram restrições no acesso ao parque. Outro fator que torna a vida da população indígena ainda mais difícil é o fato dela não possuir espaço suficiente para praticar seus hábitos e costumes na terra homologada. O espaço exíguo de 1,7 hectares da Terra Indígena foi criado pelo Decreto Federal n 94.221 somente em 1987. No entanto, a ocupação do espaço é mais antiga. A história destas aldeias tem início na década de 1960, com a chegada de Jandira Augusta Venício, que viria a se tornar a primeira Cacique mulher do Brasil, e seu companheiro, Seu Joaquim Augusto, fundadores da primeira aldeia na região.

A Terra Indígena do Jaraguá atualmente compreende seis aldeias, Tekoá Ytu, Pyau, Itakupe, Itawerá, Itaendy e Ivy Porã, com cerca de 700 pessoas residentes em sua extensão. A demarcação original, que compreende apenas 1,7 hectares, incorre em erro administrativo tendo em vista que o conceito de Terra Indígena tradicionalmente reconhecido não foi observado de forma devida, sendo que no momento da demarcação havia sido reconhecido estritamente o local de estabelecimento de moradia. Por isso, logo foi pleiteada a revisão dessa demarcação pela comunidade indígena, resultando na ação de revisão na qual são reconhecidos 532 hectares como pertencentes à etnia Guarani M’bya do Estado de São Paulo. Ontem, 21 de agosto de 2017, foi revogada a Portaria 581 de 2015 pelo Ministro da Justiça, Torquato Lorena Jardim, que garantia à comunidade Guarani a Terra Indígena do Jaraguá como seu direito originário sobre os 532 hectares de terras que formam o seu território tradicional como previsto no art. 231 da Constituição Federal. De entendimento pacificado e que compreende as terras originalmente ocupadas pelas comunidades indígenas, o Artigo abarca não apenas o local de moradia da comunidade, mas também espaços necessários à reprodução física, cultural e espiritual do grupo, fazendo parte da identidade coletiva dessa comunidade. Cabe ressaltar que essa ação advém do mesmo ministro que um mês antes baixou uma portaria (541/2017) instituindo um grupo de trabalho para fins de “integração social das comunidades indígenas e quilombolas”, formada em sua maioria por órgãos policiais e de segurança nacional, evidenciando a não extinta intenção integracionista que o Estado possui quanto às comunidades tradicionais.

Tanto em nível nacional, quanto estadual e municipal, vivemos tempos em que as relações entre o público e o privado estão cada vez mais nebulosas e indo na contramão dos direitos do povo. Por isso, não podemos aceitar mais um ataque dos governos de Michel Temer e de Geraldo Alckmin aos direitos históricos e legítimos desses povos que, sem sossego, lutam cotidianamente para garantir a sua existência, seus costumes e seu direito à terra. A portaria que consolida essa política é tão racista quanto higienista e continua perpetrada pelo governo do Estado de São Paulo e também a nível federal. A estreita relação entre o governo Temer e a bancada ruralista está negando às comunidades indígenas Guarani M’bya seus direitos originários e imprescritíveis sobre a terra que tradicionalmente ocupam. O argumento oficial é de que houve erro administrativo e falta de participação do Estado de São Paulo no processo de demarcação. Sabemos que, na verdade, diversos acordos foram feitos entre os governos de Dória, Alckmin e Temer para que fosse colocado em prática o projeto de desmonte dos órgãos e serviços públicos a qualquer custo de modo que o lucro fosse parar nas mãos dos mesmos empresários ligados aos antigos esquemas de corrupção.

Vivendo uma situação de extrema vulnerabilidade - incluindo o alto índice de mortalidade infantil devido às circunstâncias insalubres ligadas à falta de saneamento básico - os Guarani são um dos povos tradicionais que mais sofrem com o preconceito e com a invisibilidade. Esse ataque sistemático às comunidades é fruto de um projeto histórico de exploração que culminou no genocídio dos indígenas no Brasil. Cabe nos perguntarmos: quem ganha com a mitigação dos direitos indígenas? Direitos, aliás, que estão sendo retirados de todo o povo, basta lembrar que vivemos na cidade na qual ocorre um sistemático ataque à população periférica por meio de desocupações como a da Cracolândia e da favela do Moinho de maneira extremamente brutal, a retirada de cobertores de pessoas em situação de rua pelo prefeito João Dória, venda e privatização de espaços e serviços públicos, além da retiradas de verbas de programas sociais.

Ainda tratando da conservação dos nossos espaços verdes, o Governo do Estado de São Paulo colocou 34 áreas florestais que estão em áreas públicas, muitas delas sendo de proteção integral e de responsabilidade do Instituto Florestal, à disposição para venda e concessão a empresas privadas, dentre os quais está o Parque Estadual do Jaraguá. Para essas empresas, muitas delas com proprietários parceiros de João Dória e Geraldo Alckmin, está liberada a exploração da nossa riqueza natural. Trata-se de um ataque não apenas ao direito originário sobre esta terra que a população Guarani M’bya possui, mas na conservação das áreas remanescentes de Mata Atlântica que ainda temos, levando em conta também os benefícios diretos e indiretos que essas áreas trazem ao bem estar humano. Na mesma lógica de destruição do patrimônio público, há previsão para a revisão da política de zoneamento municipal de São Paulo, deixando a cidade mais uma vez nas mãos da política higienista de venda das terras a grandes empresários, muitos deles ligados fortemente à especulação imobiliária.

Sabemos que a incisiva retirada de direitos dos povos indígenas e quilombolas se iniciou com o governo Dilma, que ficou conhecido como o governo que menos demarcou terras indígenas na democracia brasileira. Com Temer, os retrocessos se mostram ainda maiores. Aliado à “bancada da Bala, do Boi e da Bíblia”, o governo ilegítimo não poupa esforços para retirar direitos mínimos não apenas das comunidades indígenas, mas de toda a classe trabalhadora. A bancada ruralista nunca aceitou que alguns pedaços de terra fossem protegidos de sua lógica de lucros exorbitantes com base na agropecuária extensiva que destrói a natureza e dizima os que vivem da terra.

A utilização da terra pelos indígenas é feita de modo rotativo, não predatório, com produção de alimentos para o próprio consumo. Justamente por não perpetuarem seus territórios à lógica do lucro acima do interesse coletivo, os indígenas estão sendo mortos e perdendo seu já ínfimo espaço. Segue viva a ideologia bandeirante que derrubou quase toda a floresta que havia aqui e levou à morte todos aqueles que estavam no meio do caminho dos empreendimentos econômicos da elite paulista. A guerra do Estado de São Paulo contra as comunidades indígenas parece não ter fim.

Não aceitaremos mais ataques aos indígenas de São Paulo. Qualquer tentativa de reintegração de posse advinda da revogação da demarcação das terras enfrentará resistência. Vamos lutar ombro a ombro ao lado dos indígenas para dizer que, entre Anhangueras e Bandeirantes, o Jaraguá é Guarani e que a causa indígena é de todos nós!


* Louise Oliveira é membra da DeFEMde - Rede Feminista de Juristas, estudante de direito e colaboradora da TI Jaraguá.
Marcela Durante é bióloga e militante do PSOL. 

 

Conheça a deputada
Sâmia Bomfim

Sâmia Bomfim tem 30 anos, foi vereadora de São Paulo e, atualmente, é deputada federal pelo PSOL. Elegeu-se com 250 mil votos, sendo a mais votada do partido e a oitava mais votada de todo o estado de São Paulo. Seu mandato jovem, feminista e antifascista levanta bandeiras que a maioria dos políticos não tem coragem de levantar. Ela é linha de frente no enfrentamento do conservadorismo e na oposição aos desmandos do governo Bolsonaro, defendendo sempre a maioria do povo.

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