Sâmia Bomfim

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Brasil Foods quer fazer o pobre engolir o que o rico rejeita!

Perdigão e Sadia reeditam ideia de João Doria e querem vender restos processados de alimentos para os mais pobres.

*Por Joyce Martins

Em 2017 travamos uma grande luta contra a farinata,  a “ração humana” - como ficou popularmente conhecida, que o Prefeito de São Paulo, João Doria, tentou distribuir para a população em situação de vulnerabilidade. Nos organizamos, ocupamos as ruas, discutimos nos conselhos, sindicatos, universidades e vencemos. Dória teve que recuar e esse projeto absurdo em São Paulo não vingou graças a mobilização da população.

Nessa semana, a gigante da alimentação Brasil Foods (BRF), dona da Perdigão e da Sadia, anunciou o lançamento de uma nova marca de produtos ultraprocessados chamada a Kidelli, de acordo com o próprio presidente da empresa os produtos da marca serão produzidos com o excedente da produção das já consolidadas Sadia e Perdigão, sendo de certa forma produtos alimentícios de segunda linha e por isso vendidos a preços até 15% menores que as médias dos produtos tradicionais e já consolidados no mercado.

Apesar de serem processamentos diferentes no caso da ração do Doria e dos produtos da novata Kidelli, a finalidade é muito mais parecida do que imaginamos. Há uma série de questões que envolvem a regulação do mercado de produtos ultraprocessados, o papel do poder público e o direito humano à alimentação adequada que precisamos entender para ter uma ideia global do que significa o lançamento da Kidelli. E no fundo, ambas as iniciativas tem a mesma finalidade: distribuir e acostumar a população mais vulnerável com um tipo de alimento que a classe mais alta já entendeu que não é bom e não consome mais.


O papel histórico do
lobby da indústria de alimentos


Historicamente a indústria de alimentos tem conseguido cada vez mais mercado de consumo graças ao
lobby, à “compromissos políticos”, financiamentos de pesquisas e investimentos publicitários gigantescos empregados para garantir sua manutenção, expansão e consequentemente ampliação dos seus lucros.

Entre 1960 e 1970, após II Guerra Mundial, a indústria aproveitou a segunda onda do movimento feminista para entrar com força total em todos os lares das famílias americanas. Com a ida das mulheres para o mercado de trabalho, a divisão do trabalho doméstico que era um problema para os casais da época, para a indústria de alimentos foi a grande oportunidade, ela aproveitou a “falta de tempo” para investir em um marketing pesado que catapultou as vendas de comida pronta. A conhecida marca chamada KFC (Kentucky Fried Chicken) chegou inclusive a estampar em suas propagandas o slogan “Women’s Liberation”.

Em 1967, um grupo chamado Sugar Research Foudation - SRF (Fundação da Pesquisa em Açúcar), formado pelo empresariado da indústria alimentícia, financiou pesquisas realizadas por cientistas de Harvard que minimizava a influência do consumo excessivo de açúcar sobre doenças cardiovasculares. Hoje todos os cientistas e empresários da SRF já faleceram, porém em vida um dos cientistas (Dr. Mark Hegsted) foi chefe de nutrição no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e em 1977 ajudou a elaborar o que seriam as diretrizes dietéticas do Governo Federal Americano. Recentemente a Coca-Cola também usou a mesma estratégia. Há dois anos o The New York Times divulgou um artigo que falava sobre a gigante das bebidas açucaradas pagar milhões de dólares para pesquisadores de uma organização chamada Global Energy Balance Network produzir uma série de estudos que minimizam o vínculo entre bebidas açucaradas e obesidade.   

Ainda em 1977, o senador americano George McGovern chefiou o Comitê Especial de Nutrição e Necessidades Humanas do Senado dos EUA, que tinha como missão elaborar diretrizes nutricionais para alimentação dos americanos. Pautado em pesquisas epidemiológicas da época que indicavam uma relação das doenças cardiovasculares com alto consumo de carnes e laticínios, o comitê elaborou um documento em que orientava as pessoas a diminuírem o consumo desses produtos. Essa foi a largada para uma verdadeira ofensiva da indústria produtora de carne e leite contra McGovern, que resultou no fim da carreira do senador, que perdeu uma disputa presidencial, e na modificação das recomendações de forma que em nenhum documento oficial se aconselhasse reduzir o consumo de algum alimento específico. A partir daí uma verdadeira confusão se desenvolveu, financiados pelos produtores, especialistas de todos os lugares saíram em defesa da indústria e o que deveria ser uma mensagem simples “diminua o consumo de carnes”, se tornou uma série de desinformações sobre gordura saturada e da mesma forma sobre outros macro e micronutrientes que se arrasta até hoje.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tenta, desde 2005, tenta regular a publicidade de alimentos ultraprocessados, porém por aqui também encontramos evidências de que a pressão do empresariado foi capaz de diminuir em grande medida a regulação da Anvisa, as pressões exercidas pelo Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) e a Associação Brasileira de Indústrias da Alimentação (ABIA) garantiu alteração bastante considerável entre a proposta enviada para a consulta pública realizada em 2006 e a promulgação da norma em 2010.


Impacto da indústria de alimentos sobre os padrões de consumo e a saúde da população.


A indústria de alimentos não é a única a atuar de maneira parasita sobre o Poder Público, no mundo os grandes conglomerados industriais seguem se utilizando da lógica capitalista para comprar empresas menores e abocanhar quase que 100% dos mercados locais, eliminando as possíveis concorrências, diminuindo o poder de escolha e determinando novos padrões de consumo.

Quando a Brasil Foods decide criar a Kidelli na verdade ela não está preocupada com o que a população vai consumir muito menos em garantir acesso aos alimentos como preconiza a Lei Orgânica de Alimentação e Nutrição (LOSAN), o critério não é o alimento mais adequado, de melhor qualidade, ela está preocupada em garantir o seu lucro sobre absolutamente todo o processo produtivo, inclusive sobre o que seria excedente da sua produção. Vale lembrar que o segmento que a nova marca atuará representa cerca de 30% dos produtos alimentícios vendidos no país, e que para isso todo investimento é válido em pesquisas, marketing, lobby na formulação de leis, o que mais for necessário para seguir influenciando Governos e o consumo da população.

Com um produto 15% mais barato no mercado temos duas possibilidades e um mesmo resultado, apesar de parecer positivo a primeira vista, pois as pessoas de baixa renda terão acesso a esse produto, é exatamente esse o seu lado mais perverso, é como garantir salsicha para a população mais pobre enquanto os mais ricos comem alimentos in natura e orgânicos. É a comida sendo mais um mecanismo de ampliação e demarcação da desigualdade social.

Quando o poder público permite que o setor privado condicione quem tem menor poder aquisitivo a consumir ultraprocessados ele está negando as diretrizes de uma alimentação adequada colocada pelo novo Guia Alimentar para a População Brasileira e outros documentos oficiais produzidos por ele próprio.

Por isso vivemos uma verdadeira pandemia de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como doenças cardiovasculares, câncer, e diabetes que são hoje um dos principais problemas de saúde pública mundial. A mudança drástica na maneira como nos alimentamos, o consumo excessivo de sal, açúcar, carne vermelha principalmente de carne altamente processada, em contrapartida a diminuição do consumo de frutas, verduras tem sido apontados em diversos estudos como parte dos fatores de risco para o desenvolvimento de DCNT.

O papel do poder público frente a indústria de alimentos


Considerando que a alimentação saudável e adequada é um direito garantido pela Constituição Federal e Tratados Internacionais, e o Poder Público tem o dever de atender à essas disposições. Deixar a cargo das grandes indústrias o monopólio sobre a produção, distribuição e o direcionamento do consumo é condicionar a população a uma alimentação de má qualidade e assumir o risco a longo prazo que o consumo excessivo de ultraprocessados pode trazer a saúde.

Hoje as políticas públicas que garantem o direito humano à alimentação da população em todos os níveis de governo são insuficientes, e a forma de reverter isso é trazer para o debate público a discussão sobre uma alimentação baseada em comida in natura e minimamente processada, ou seja, uma alimentação com comida de verdade.

Na Câmara Municipal de São Paulo, nosso mandato foi favorável ao Projeto de Lei que restringia os ultraprocessados da merenda escolar, incentivamos a construção de hortas escolares, junto à sociedade civil organizada enfrentamos o prefeito João Doria e conseguimos barrar a ração humana e no fim do ano passado conseguimos aprovar a Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional que inicia suas atividades esse ano com o intuito de garantir que o Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (PLAMSAN) saia do papel.

Em certa medida, a comida processada estará presente em nossas mesas, mas não é justo que as indústrias continuem direcionando as nossas necessidade e criando novas oportunidades de consumo que satisfaça a sua busca pela forma mais bruta de acumulação que é o lucro sobre a vida da população mais vulnerável.

*Joyce Martins é nutricionista (USP) e assessora do mandato Sâmia Bomfim.

Conheça a deputada
Sâmia Bomfim

Sâmia Bomfim tem 30 anos, foi vereadora de São Paulo e, atualmente, é deputada federal pelo PSOL. Elegeu-se com 250 mil votos, sendo a mais votada do partido e a oitava mais votada de todo o estado de São Paulo. Seu mandato jovem, feminista e antifascista levanta bandeiras que a maioria dos políticos não tem coragem de levantar. Ela é linha de frente no enfrentamento do conservadorismo e na oposição aos desmandos do governo Bolsonaro, defendendo sempre a maioria do povo.

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