Sâmia Bomfim

  • Meio ambiente

Capitalismo em chamas: a crise ambiental deflagrada por Bolsonaro

A crise ambiental e diplomática deflagrada pelos incêndios na Amazônia são expressão da anarquia da produção capitalista.

“Bolsonero” é o maior responsável pela crise ambiental

O dia virou noite em São Paulo no dia 19 de agosto. Não foi eclipse ou o fim do mundo. Não ainda. Mas talvez esta segunda hipótese não esteja longe caso o problema que fez a noite cair às 15h não se resolva. Muito antes dos paulistanos se assustarem naquela tarde sinistra, os brasileiros da região Norte – principalmente as comunidades indígenas – já respiravam a fumaça sufocante causada por um aumento de 82% nas queimadas na Amazônia em comparação com o ano passado. A crise ambiental se desdobrou em crise diplomática e econômica quando o presidente da França Emmanuel Macron cobrou a conta do acordo do qual foi anfitrião (voltaremos a esse ponto adiante). Poderia se dizer que essa foi uma das mais crises do governo até aqui, mas, em se tratando de governo Bolsonaro, é melhor não gastar esse recurso retórico. 

Não parece haver dúvidas de que Bolsonaro é responsável direto pela crise em que se meteu. Mas, antes de passarmos a uma análise mais aprofundada da situação, não custa relembrar porque não é exagero chamar nosso presidente de “Bolsonero” (em referência ao tirano romano que supostamente teria incendiado a capital de seu próprio império).

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro se referia à política ambiental como um entrave ao desenvolvimento, de tal maneira que cogitou extinguir o Ministério do Meio Ambiente. Pressionado, foi obrigado a recuar, mas esvaziou a pasta de suas atribuições passando várias de suas secretarias para o Ministério da Agricultura, como o Serviço Florestal e a FUNAI. Além disso, nomeou Ricardo Salles, do Novo, como ministro – sujeito que já respondia a processo por improbidade administrativa por ter assediado funcionários da Secretaria de Meio Ambiente da gestão Alckmin para que adulterassem mapa ambiental. Salles passou então a atuar como uma espécie de “anti-ministro” de um “não-ministério”: foram cortados R$ 187 milhões da pasta, dos quais R$ 89 milhões foram do IBAMA (o que equivale a 24% do orçamento deste órgão) e 21 de seus 27 superintendentes regionais foram exonerados. E não é só isso: o IBAMA passou a avisar antecipadamente quando faria fiscalização. Resultado: queimadas dispararam e multas do IBAMA despencaram. Mas, para o caso de um desavisado ter mesmo assim a proeza de ser multado, Salles e Bolsonaro já se anteciparam para livrá-lo do infortúnio de ter que pagar a conta e criaram um órgão voltado para perdoar multas ambientais.

Não faltou quem avisasse o desastre que se avizinhava. O INPE divulgou estudo apontando que o desmatamento na Amazônia havia crescido 40% em relação ao mesmo período do ano passado. Como sabemos, Bolsonaro respondeu como projeto de ditador que é: acusou o órgão – que goza de prestígio internacional – de mentiroso e de estar a serviço de “alguma ONG”. Ainda por cima, exonerou o presidente do órgão, Ricardo Galvão.

Além disso, o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA foram avisados pelo Ministério Público sobre o “dia do fogo” com três dias de antecedência. A ação seria coordenada por grileiros no Pará e visava demonstrar apoio à política de Jair Bolsonaro de afrouxar a fiscalização ambiental. Em resposta, o IBAMA disse que estava com dificuldades de executar a fiscalização por não conseguir garantir a segurança de seus funcionários. Solicitaram então a ajuda da Força Nacional, mas não foram atendidos.  

Esses fatos demonstram que Bolsonaro e Salles descumpriram o artigo 225 da Constituição Federal, que versa sobre a obrigação do poder público em preservar o meio ambiente. Portanto, trata-se de crime de responsabilidade cuja pena é a cassação do mandato. 

Além disso, eles são a prova de que Bolsonaro mentiu quando, durante a reunião dos G20, prometeu cumprir o Acordo do Clima de Paris, um pacto entre países voltado para a adoção de políticas que visem mitigar as causas do aquecimento global. Dessa forma, era previsível que Macron, como fiador do Acordo, cobrasse a conta. Em que pese os interesses particulares do presidente francês em articular sanções ao Brasil (como, por exemplo, favorecer o agronegócio francês que poderia ser prejudicado com o novo acordo entre União Europeia e Mercosul), Bolsonaro colocou-se em uma posição indefensável – e ainda resgatou o carisma de um dos políticos do mundo que estava mais desmoralizado. Por isso, não devemos cair na lorota nacionalista de que nosso presidente estaria defendendo o patrimônio nacional da invasão estrangeira. Até porque o próprio Bolsonaro sugeriu, em uma entrevista a um Youtuber em 2016, que o Brasil deveria entregar a Amazônia aos EUA. Sem falar que parece piada esse palavrório anti-imperialista vindo de quem já fez concessões unilaterais a potências estrangeiras e vendeu uma das bases militares mais estratégicas do Brasil aos americanos. Sem dúvidas o imperialismo pode se aproveitar desse momento de instabilidade para aumentar sua influência sobre a Amazônia, mas Bolsonaro é provavelmente o brasileiro menos qualificado no momento para nos defender desse possível ataque.

A crise ambiental e a anarquia da produção capitalista

Postos estes dados conjunturais, cabe agora uma análise em perspectiva mais ampla para aprofundar o debate.

Crises econômicas provocam reconfigurações no modo de produção capitalista, isto é, nas cadeias de produção, na divisão internacional do trabalho, etc. No caso do Brasil, a crise de 2008 acelerou um processo que vinha se desenvolvendo desde o surgimento do neoliberalismo: aquilo que Plínio de Arruda Sampaio Jr chama de “reversão neocolonial”. Por “reversão neocolonial” compreende-se o processo transformação da economia brasileira de modo a reforçar os aspectos típicos de uma economia colonial (mão de obra mal remunerada voltada à produção de bens primários – como soja, gado e minérios – para exportação), aprofundando o caráter dependente de nosso país. 

A vanguarda desse processo é o agronegócio. Este setor da burguesia escolheu Jair Bolsonaro como seu representante. Sua agenda inclui o extermínio em massa de indígenas, a formação de milícias via liberação da posse de armas na zona rural, e, é claro, a derrubada de quaisquer limites ao desmatamento. 

No entanto, o maior prejudicado diretamente pelas possíveis sanções econômicas ao Brasil é justamente o agronegócio, o que pode estremecer a relação do governo com seu aliado mais importante – em função de uma agenda que este mesmo reivindicou. Isso sem falar nos graves prejuízos que o desmatamento pode causar a longo prazo ao agronegócio em função das mudanças no ciclo das chuvas que ele causa. 

Tudo isso não parece uma grande loucura? Karl Marx diria que não só parece como é. Vejamos. Em um sistema capitalista, o objetivo de todo burguês é maximizar incessantemente seus lucros, ou, em outras palavras, buscar a ampliação do valor. No entanto, à medida em que todos os burgueses perseguem simultaneamente esse mesmo objetivo, esse ampliação esbarra em certos limites. Quando isso acontece, temos uma crise econômica. Vamos a um exemplo. Após a Primeira Guerra Mundial, a indústria americana ampliou sua produtividade para exportar para a Europa. No entanto, quando o velho continente começou a se recuperar, houve queda nas vendas e começou a sobrar mercadorias. Finalmente, em 1929 estourou uma crise de superprodução. O que parecia perfeitamente racional aos burgueses individuais (aumentar a produtividade) mostrou-se uma loucura do ponto de vista social – é o que chamamos de “anarquia da produção” capitalista. 

O marxista húngaro György Lukács, em seu ensaio “Consciência de Classe”, aprofundou essa interpretação. De acordo com o autor, há uma contradição entre os interesses de classe da burguesia e sua consciência histórica. Caso os burgueses tivessem plena consciência sobre si mesmos (coletivamente e historicamente falando), saberiam que a ampliação incessante do valor os levará à ruína. No entanto, essa constatação se choca com seus interesses particulares imediatos, a saber, a maximização dos lucros. Dessa forma, os burgueses viveriam constantemente numa espécie “auto engano” cuja resolução só poderia ocorrer caso eles renunciassem à sua condição de burguês. Ou seja, a consciência falsa é uma condição imanente à burguesia. É por essa razão que os economistas liberais não puderam prever a crise de 2008 – e jamais poderiam, a não ser que renunciassem às suas teses sobre o livre mercado – apesar de todos os alertas dos economistas não ortodoxos e da experiência histórica que apontava que mercados financeiros desregulados levam à formação de bolhas especulativas. Nada representa isso melhor do que o fato de que a agência de risco Standards & Poor’s continuou a atestar publicamente a solidez das finanças do banco Lehman Brothers mesmo sabendo que este estava à beira da falência porque algumas pessoas estavam lucrando bilhões com essa falsa informação. E o que aconteceu com os responsáveis pela mentira que mergulhou o mundo em uma das piores recessões da história? A Standards & Poor’s sofreu uma multa bilionária, mas continua livre para, por exemplo, pressionar o Brasil em favor de reformas que atacam direitos dos trabalhadores. É claro! Afinal, ela não fez mais do que cumprir o seu papel.

É com o mesmo grau de cinismo que agora o agronegócio brasileiro encara as possíveis sanções internacionais. Jura que liberar grileiros para arrasarem com as nossas florestas trará problemas para agricultura? Que surpresa! Que pena que ninguém avisou…

Os limites à reprodução ampliada do valor, isto é, crises econômicas, assumem várias formas: superprodução, pauperização, inflação, bolha especulativa, etc. Todas elas têm como característica expor essa contradição entre interesse de classe e consciência de classe. No caso do Brasil, estamos vivendo os primeiros sinais de uma crise ambiental, em que a ampliação do valor choca-se com os limites da própria biosfera

Capitalismo redunda necessariamente em crises. Por mais que Macron queira cobrar responsabilidade de Bolsonaro, a verdade é que não há “capitalismo sustentável”. Até porque o sistema que produz o capitalismo avançado dos países centrais (talvez preocupado com a preservação da Amazônia para poder explorar seus recursos biogenéticos e mitigar os efeitos da industrialização) é o mesmo que produz o capitalismo predatório dos países periféricos. Afinal, a “reversão neocolonial” de que falamos anteriormente está voltada para a exportação de bens primários do Brasil para os países desenvolvidos. Veja, por exemplo, o acordo entre União Europeia e Mercosul.  Ele deve favorecer o agronegócio brasileiro em relação ao europeu e prejudicar a indústria brasileira em relação à europeia. Portanto, por mais que agora o G7 se reúna para colocar impor limites ao nosso “líder” infantilóide, a barbárie em que vivemos foi em parte organizada nesta mesma mesa de reunião.

É pelos motivos expostos aqui que, se por um lado, consideramos Bolsonaro responsável pela destruição que assola a Amazônia e exigimos a imediata reversão dessa política, por outro, não alimentamos grandes ilusões em Macron ou no G7. A rigor, apenas o fim desse sistema produtor de crises incessantes poderá evitar que o dia vire noite de uma vez por todas. Resgatando a velha máxima de Rosa Luxemburgo, socialismo ou barbárie. 

Conheça a deputada
Sâmia Bomfim

Sâmia Bomfim tem 30 anos, foi vereadora de São Paulo e, atualmente, é deputada federal pelo PSOL. Elegeu-se com 250 mil votos, sendo a mais votada do partido e a oitava mais votada de todo o estado de São Paulo. Seu mandato jovem, feminista e antifascista levanta bandeiras que a maioria dos políticos não tem coragem de levantar. Ela é linha de frente no enfrentamento do conservadorismo e na oposição aos desmandos do governo Bolsonaro, defendendo sempre a maioria do povo.

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