Sâmia Bomfim

    Para tucanos, creches são um negócio e não um direito

    A terceirização de creches em São Paulo gera lucro para os ricos e expõe as crianças a péssimas condições de ensino e vivência.

    Por Sâmia Bomfim e Mônica Seixas, publicado originalmente na Revista Movimento


    Uma reportagem divulgada pela Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (20/04) apurou os convênios entre creches privadas e a Prefeitura de São Paulo. De acordo com o jornal, haveria uma “indústria da creche” mobilizada por políticos e instituições de ensino com a finalidade de lucrar com o aluguel de imóveis voltados às creches com valor muito acima do preço de mercado. A matéria chama a atenção para um problema profundo da educação brasileira: a educação de crianças entre 0 e 4 anos e a terceirização das creches.

    O prefeito João Doria assumiu a prefeitura de São Paulo prometendo que iria zerar o déficit de vagas em creche no município. Passou longe disso: no início deste ano, 44 mil crianças ainda aguardavam nas filas. Confirmando o triste cenário de desigualdades da cidade, as regiões mais desbastecidas são as periféricas: Capão Redondo, Jardim Ângela, Cidade Ademar e Grajaú estão entre as mais afetadas. Esta situação prejudica em particular as mulheres, pois, sendo as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos em função do modelo machista de organização da família, necessitam das creches para que possam trabalhar e adquirir independência financeira. Por essa razão, o direito a creche é uma reivindicação histórica das mulheres trabalhadoras, já que em parte libera a mulher do confinamento ao trabalho no âmbito privado.

    Tendo em vista cumprir a promessa de campanha, a gestão do PSDB apostou na terceirização das creches: a prefeitura repassa dinheiro para instituições privadas sem fins lucrativos que se responsabilizam por atender as crianças. Praticamente todas as vagas criadas desde então se deram por esse meio e não pela construção de creches cem por cento públicas. A justificativa é a de que a construção de novas instalações demora muito e, dada a urgência do problema, a aposta na terceirização seria mais adequada.

    Será…?

    Primeiramente, sabe-se que contratos entre Estado e iniciativa privada feitos às pressas para cumprir metas de campanha não costumam resultar em processos idôneos cujo maior beneficiário seja o bem público. Além disso, o argumento de celeridade não se sustenta uma vez que 377 das creches terceirizadas funcionam em prédios que já são da prefeitura.

    Mais ainda, é preciso fazer a crítica da terceirização como modelo estratégico para a educação infantil. Além de ser fundamental para a emancipação da mulher, as creches possuem uma importante função pedagógica e para acesso a alimentação adequada. E, uma vez que a educação pública, gratuita e de qualidade é um dever do Estado, o acesso a creche é um direito de toda criança.

    Ao menos assim deveria ser… Ocorre que, como parte do processo de desmonte dos direitos sociais conquistados pelos movimentos sociais na Constituição de 1988, o inciso IV do artigo 4o da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que previa “o atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade” foi revogado em 2013. Desse modo, o Estado não apenas se eximiu de sua obrigação legal, tornando as creches um compromisso de governo mas não de obrigação do Estado, como tornou possível a terceirização descontrolada.

    Mas por que a terceirização na educação deve ser combatida? Primeiramente porque, sendo um direito, a educação (laica, de qualidade e com gestão democrática do espaço escolar) deve ser garantida pelo Estado e não estar a mercê dos interesses do investimento privado. Além disso, por mais que essas creches façam o compromisso de não possuir fins lucrativos, é possível que se tornem instituições rendosas por meio, por exemplo, do aluguel de seus espaços, como apontou a reportagem da Folha citada anteriormente – e educação definitivamente não é mercadoria! Mesmo a velha ladainha de que o serviço privado seria mais eficiente e menos oneroso ao Estado se desmonta pelos mesmos dados apontados na reportagem.

    Mas se o argumento sobre concepção de educação não fosse suficiente, restaria ainda a prova objetiva de que as creches terceirizadas são piores do que as inteiramente públicas, como apontou outra reportagem da Folha de maio do ano passado. Em média, os profissionais das creches terceirizadas ganham menos, tem rotatividade mais alta e formação mais inadequada. Além disso, os professores e coordenadores reclamam das poucas horas disponíveis na jornada para o planejamento pedagógico. A proporção de alunos por professor é o dobro na rede conveniada do que na pública e mais de 200 possuem crianças acima do teto permitido pela Legislação. Outro problema é a falta de infraestrutura adequada. Muitos desses imóveis alugados são improvisados, ou seja, não foram construídos para cumprir essa função. Assim, faltam salas mais amplas, refeitório com salubridade mínima, área externa e espaço para o descanso dos funcionários.

    De acordo com a pré-candidata a governadora pelo PSOL e professora da Faculdade de Educação da USP, Liste Arelaro, a origem do problema é o sucateamento dos direitos sociais – “A raiz disso é que os governos não querem gastar mais com educação.” E essa falta de investimento por vezes cobra a conta de maneira trágica: em março, uma criança foi trancada sozinha em uma creche terceirizada porque o pai se atrasou; poucos dias depois, outra criança foi esquecida no pátio por meia hora e sofreu insolação.

    Fica claro, então, que a preocupação de Doria e Bruno Covas não é garantir a educação infantil, mas atingir o efeito midiático de “zerar” ou “reduzir” a fila nas creches. Com efeito, a prefeitura matriculou centenas de crianças em creches que sequer estavam construídas ainda. Além disso, foram cortados serviços essenciais para que essas “vagas” sejam concretizadas em educação de qualidade para as crianças: Doria reduziu o número de estudantes atendidos pelo TEG (Transporte Escolar Gratuito) e cortou parte do PTRF, verba destinada às associações de pais e mestres. Além disso, nosso mandato cobra desde o ano passado que a prefeitura convoque os professores aprovados no concurso para os Centros de Educação Infantil.

    Sem dúvidas, é urgente zerar o déficit de vagas nas creches de São Paulo. Entretanto, isso não deve servir de chantagem para fazer a população aceitar que o Estado se exima de sua obrigação e ofereça um serviço de péssima qualidade. Mais do que medida de emergência, a terceirização tornou-se a política prioritária de promoção de creches das últimas gestões da prefeitura, tornando-se, na prática, a sua medida estratégica. Como consequência, hoje quase 85% das creches de São Paulo são terceirizadas. É preciso urgentemente reverter este quadro. Educação infantil – de qualidade! -, desde o primeiro ano de vida, deve ser um direito e obrigação do Estado.

    Conheça a deputada
    Sâmia Bomfim

    Sâmia Bomfim tem 30 anos, foi vereadora de São Paulo e, atualmente, é deputada federal pelo PSOL. Elegeu-se com 250 mil votos, sendo a mais votada do partido e a oitava mais votada de todo o estado de São Paulo. Seu mandato jovem, feminista e antifascista levanta bandeiras que a maioria dos políticos não tem coragem de levantar. Ela é linha de frente no enfrentamento do conservadorismo e na oposição aos desmandos do governo Bolsonaro, defendendo sempre a maioria do povo.

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